Numa era em que tudo se encontra à distância de um clique, sobretudo no que toca à mui nobre ocupação de dar música, é um mistério que ainda existam segredos mais ou menos bem guardados – ainda para mais neste burgo lusitano. No caso de Tio Rex, que no BI e nos recibos vai assinando como Miguel Reis, essa quase obscuridade tem sido compensada com a edição de EPs e LPs que, escutados ao estetoscópio ou com ouvidos atentos, nos revelam um dos mais talentosos compositores nacionais.
No próximo fim-de-semana Tio Rex estará em Setúbal, onde fará “uma homenagem ao Passado, uma despedida do Presente e um abraçar do Futuro” – e que conta com convidados como os Um Corpo Estranho ou Fast Eddie Nelson. Falámos com o Tio para saber mais sobre esta dose tripla, a ser servida com muito esmero no Club Setubalense a 21, na Capricho Setubalense a 22 e na Casa da Avenida a 23, sempre às 22h00. Um fim-de-semana inteiro para descobrir um segredo chamado Tio Rex.
Ainda estás nos vintes e, de repente, decides tocar os teus discos (quase) de uma ponta a outra, ao mesmo tempo que prometes apresentar material novo – e tudo em três dias consecutivos. Que espécie de balanço e de projecção está aqui em jogo?
Ao longo dos últimos sete, oito meses, na tour de promoção do “Ensaio Sobre a Harmonia”, dei por mim a acumular ideias, conceitos e canções para mais de 5 discos (para Tio Rex e não só) ao mesmo tempo. Foi a primeira vez, desde que comecei a fazer isto, que me vi imerso em mais material e criações que a minha capacidade de escoamento tinha para os libertar. O tempo foi passando e à medida que o Harmonia ia batendo o circuito, e que ia sentindo que lhe estávamos a dar a merecida exposição, também “o novo” foi ganhando mais força em mim. Assim, e com o crescente sentimento de missão cumprida em relação ao último disco – e uma, igualmente crescente, vontade de lhe virar a página e partir para as próximas histórias, surgiu-me a ideia de o “enterrar” de uma forma especial. Em jeito de retribuição a toda a gente que acompanha este projecto – desde o princípio ou não – e que o trouxe até aqui, decidi proporcionar a todos a possibilidade de, num fim-de-semana apenas, poderem escolher revisitar a “era” de Tio Rex de que mais gostam, ou ficar a conhecer melhor o que não acompanharam na altura em que os primeiros discos foram lançados. Isto porque as canções dos primeiros discos foram inevitavelmente estando menos presentes nos sets dos últimos e muita gente me dizia que tinha saudades delas. Com isto, surgiu a ideia de fazer uma espécie de homenagem ao Passado, uma despedida do Presente e um abraçar do Futuro. É isto que este ciclo de concertos representa.
O que está a ser desenhado para cada um dos concertos?
No fundo, cada um deles à sua maneira é uma celebração da descoberta que foi a música, enquanto criador, para mim. Tio Rex foi um despertar espiritual que me deu um propósito de vida ou, se calhar, “O” propósito de vida. Mas nada disto foi construído por mim sozinho e, como tal, é rodeado de amigos que imaginei estas celebrações. No primeiro revisito com a Tita (Marta Banza), em formato Duo, o primeiro EP e o primeiro álbum. Este concerto irá contar com a participação do grande amigo e professor que é o Fast Eddie Nelson, e nele iremos também apresentar a poesia e composições da Marta enquanto Museum Museum. No segundo e já em formato Banda (com a Tita, o Bernardo Pacheco Pereira e o Gonçalo Mota), focamos o alinhamento no segundo EP e no segundo álbum, e aqui contamos com as participações dos meus irmãos sadinos Um Corpo Estranho e do sublime Zé Miguel Zambujo, que contribuíram ambos com as suas sensibilidades em temas do “Ensaio Sobre a Harmonia”. No último apresento-me a solo para um concerto inteiro só à base de canções não editadas, 90% das quais nunca ninguém ouviu.
Os concertos terão lugar em Setúbal em três espaços distintos: Clube Setubalense, Capricho Setubalense e Casa da Avenida. Algumas afinidades por detrás destas escolhas?
Sem dúvida. O “Tio Rex EP” foi apresentado no dia 18 de Agosto de 2012 e o “Preaching To a Choir of Friends and Family” no dia 6 de Abril de 2013, ambos no Clube Setubalense. O “5 Monstros” no dia 25 de Outubro de 2014 e o “Ensaio Sobre a Harmonia” no dia 7 de Junho de 2015, ambos na Capricho. Daí os alinhamentos focados nesses discos estarem distribuídos pelas casas que viram a sua apresentação. Em relação ao terceiro dia, a Casa da Avenida é um espaço onde já tive a oportunidade de assistir a vários concertos, mas onde nunca tive a oportunidade de tocar. Uma vez que é uma sala perfeita para concertos intimistas, pareceu-me a melhor opção para o desafio que vai ser tocar um set inteiramente novo pela primeira vez.
Como correu a aventura por terras britânicas?
Foi brutal! Para além da experiência de tocar no estrangeiro e para público não português, o que me permitiu ir buscar canções escritas em inglês dos discos antigos e testar outas novas, foi, acima de tudo, o cimentar de uma relação super humana e de trabalho, mas também de amizade com a Oh Lee Records, que irá ser a casa de alguns dos futuros discos deste projecto. Para além disso, também não posso negar que o ter lá estado me ajudou a pôr os próximos discos todos em perspectiva e a desbloquear o próximo passo a dar, visto que o tempo não chega para tudo e que, para fazer as coisas com a qualidade que ambiciono, há que traçar um plano temporal a médio prazo para não misturar tudo numa salganhada que me desfaça a cabeça em papa. Um passo de cada vez.
Conta-se por aí que tens vários discos a caminho. Pode saber-se com quem andas metido e quando poderemos ouvir essas novas rodelas?
Estou neste momento a terminar com a Experimentáculo Associação e o Diogo Augusto (Hell Hound, Jack Shits, Los Saguaros, Sonic Reverends, the list goes on… forever) o, já mencionado pelas internets, disco de Banjo. O Diogo está a viver fora do país, pelo que será difícil apresentar o disco, mas estamos a ultimar preparativos para que, até ao fim do ano, circule aí a edição física de um disco bem cru, como se quer o banjo, gravado em 2 ou 3 sessões – e que foi um daqueles desafios para riscar da bucket list. Para além disso,tenho estado também a alinhavar as coisas para no próximo ano conseguir gravar e lançar o EP de estreia para o projecto negativo de Tio Rex: Museum Museum. Neste, a poesia e sensibilidade que dominam são as da Tita. É um projecto a dois, mas vejo-o como a consagração e merecido lugar ao sol de uma pessoa com um talento enorme, que só precisava de um empurrãozinho para ultrapassar algumas inseguranças e dar ao mundo um pouco do seu enorme coração em forma de música.
Para além disto, há os próximos discos de Tio Rex… Em vez de desvendar seja o que for sobre eles, convido quem quiser saber mais sobre eles a aparecer no dia 23 na Casa da Avenida (às 21h30).
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