Quando entrevistámos António Pedro Lopes, o director artístico do Tremor, na antevisão desta quinta edição do festival açoriano, este explicou-nos que, mais do que um certame musical, este é uma experiência. Porém, e apesar de termos ido avisados, só depois de termos passado pelo Tremor é que realmente compreendemos o que se quer dizer com a definição de que este é um festival mais “ligado à descoberta e à discussão e não tanto ao comércio e ao consumo“.
Vivemos na era da informação, mas isso não significa que vivamos mais bem informados. Basta ver como fenómenos virais como as fake news ou as pseudociências proliferam como cogumelos, numa espécie de contraciclo. Enquanto a ciência evolui cada vez mais rápido, com descobertas regulares nas mais diversas áreas, a Humanidade parece retroceder a uma nova espécie de idade das trevas, em detrimento do conhecimento e da racionalidade.
O mesmo se passa com o tempo e com o que fazemos dele. Cada vez há uma maior oferta de estímulos e experiências para experienciar, mas na realidade quão fruímos delas? Numa era em que o capitalismo e a globalização transformaram o tempo em dinheiro e em que o ócio desapareceu das nossas vidas em detrimento do lazer, fazendo-nos sentir culpados quando não estamos a fazer alguma actividade (e qual é agora o plano de férias que não inclui, ele próprio, uma série de actividades, como se não pudéssemos simplesmente descansar no nosso tempo livre?), o Tremor tem aqui o seu primeiro grande trunfo: o de nos levar a abrandar e a permitir que o tempo se distenda.
Ao nos transportar para uma pequena ilha no meio do Atlântico, a de São Miguel, o Tremor dá-nos a chance de vivermos a uma outra velocidade e permite-nos experienciar a música de uma forma diferente. Além disso, numa altura em que também as experiências imersivas estão na moda, oferecendo-nos a possibilidade de fruir de forma ainda mais profunda dos estímulos disponibilizados, o Tremor redefine esse conceito de uma forma sustentada e integrada com a própria ilha e a sua paisagem. Que outro festival nos leva convida a fazer um trilho de quilómetro e meio, por entre a natureza, em completo silêncio e de fones nos ouvidos a experienciar a banda-sonora que os Tír na Gnod compuseram de propósito para aquele percurso, até desembocar na enorme queda de água do Salto do Cabrito, onde o duo apresentava o seu live act? Mesmo sem amarmos a música da performance, ninguém nos dá uma experiência como aquela.
Mas este é, também, o festival que além de nos permitir descobrir a ilha nos está sempre a tirar o tapete debaixo dos pés, com vários concertos secretos em locais surpresa. É este o festival que nos tira da cama às 4 da manhã e nos transporta para outra ilha, até uma experiência de 14 horas com workshops de tapetes ou biscoitos, visitas aos principais pontos de Santa Maria e um concerto dos brasileiros Boogarins; que nos leva para as termas de água castanha do parque Terra Nostra, onde Tó Trips e João Doce surgem para nos dar uma das actuações do festival e ainda terminam a banhar-se ao nosso lado; ou que nos encaminha serra acima até à vista de tirar o fôlego da lagoa das Sete Cidades, onde vemos os 10 000 Russos a redefinir o conceito de psicadelismo sónico.
O Tremor é, por isso, um festival de experiências. E poderia ser apenas isso, mas ainda tem a música e propostas sempre estimulantes. Nos primeiros dias já havíamos visto os Três Tristes Tigres (e que bom ouvir que estão a preparar material novo para nos mostrarem este ano) ou o hip-hop engajado de Mykki Blanco, mas é no último dia que o festival se resolve, numa espécie de versão Vodafone-Mexefest-em-Ponta-Delgada que nos leva entre salas, desde uma loja de roupa ou um restaurante até ao Coliseu Micaelense ou o Ateneu de Ponta Delgada.
É aí que, em comunhão com os restantes espectadores e a comunidade local, passamos o dia (e a noite) a perder-nos pelas ruas da principal cidade de São Miguel, a vermos o motim festivo dos Parkinsons, os Liima a encantarem com a sua pop cheia de sintetizadores marados com uma paisagem de Ponta Delgada pintada à mão em papel-cenário por trás, o guitar hero Mdou Moctar a fazer-nos bailar como se não houvesse amanhã com o seus blues do deserto ou os Dead Combo em aclamação total, bem acompanhados pelo baterista Alexandre Frazão.
Escolhas tiveram que ser feitas nessa noite e, tanto Baby Dee quando os Ermo, acabaram por ficar de fora da lista por coincidirem com outros espectáculos. Mas não faz mal, não faltarão outras ocasiões. Porque, se há coisa que o Tremor nos ensinou, é a de darmos outro valor ao nosso tempo, fazendo com que este chegue para tudo.
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