har•mo•ni•a
substantivo feminino
1. Conjunto de sons que constituem acorde musical.
2. Arte de ordenar os acordes musicais.
3. Qualidades que tornam a frase ou o discurso agradável ao ouvido.
4. Boa disposição (no conjunto).
5. Proporção, ordem agradável à vista.
6. Paz e amizade (entre pessoas); concórdia.
7. Conformidade; coerência.
8. [Técnica] União por engrenagem.
9. [Música] Conjunto dos instrumentos de sopro de uma orquestra.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Será lançado no dia 27 deste mês, mas há já algum tempo que no prato digital do Deus Me Livro tem girado “Ensaio Sobre a Harmonia”, o novo trabalho de Tio Rex, nome artístico para quem, no BI, vai assinando como Miguel Reis.
“Ensaio Sobre a Harmonia” sucede a “5 Monstros”, um EP conceptual – lançado em 2014 – erigido à volta da ideia de que, para além dos monstros que encontramos em livros de fantasia, há outros que estão à nossa volta e que, diariamente vivem escondidos atrás de palavras ou gestos. Pela primeira vez, Tio Rex cantava de uma ponta à outra na Língua de Variações e seus pares, deixando para trás o inglês que havia dominado, por exemplo, no brilhante “Preaching to a choir of friends and family”, disco que, para os fãs, obedece ao conceito do eterno retorno. Antes houve também “Tio Rex EP”, lançado em 2012, nascido da maior de todas as dores: a perda do amor.
A nova aventura sonora pretende ilustrar, pela música, os diferentes estados de espírito que habitam em Tio Rex num único dia, começando com BOM DIA! e outros pensamentos, um instrumental – é já assinatura de Tio Rex começar um disco com um instrumental – onde, os pássaros que cantavam em discos anteriores, dão agora lugar à voz de uma criança num diálogo quase inaudível com um adulto.
O Despertar da Alma é uma canção de embalar virada do avesso, onde o levantar dos estores prenuncia uma série de conselhos de vida. Há uma voz de crooner que incita ao desacato, conduzindo a uma das linhas mais prodigiosas desta rodela: A Salvação do Coração Não Se Aprende.
Emancipação, tema habitado pela folk americana e salpicado pelo rock, propõe que se vá além do que nos é ensinado ao crescer, apontando à construção de um reduto individual de acção e pensamento: Neste castelo mando eu – e está tudo dito.
Esta noite vou amar; Esta noite vou sofrer; Esta noite vou sorrir; Amanhã desaparecer, canta-se em A Travessia, contando a história de alguém que armazena todo o amor do mundo antes de o deixar para trás. Nesta canção há uma cascata que aterra numa lagoa verde, onde nadam as sereias Golden Slumbers num feliz eco fleet-foxiano.
Reflexão é servida como uma calma introspecção musical, um interlúdio para a segunda metade do disco que abre com O Que o Tempo Destrói, uma canção popular algures entre a alegria etílica dos Sitiados e a seriedade gramatical e musical de Fausto. Uma canção de morte, onde um violino surge quando menos se espera entre dois lamentos: Não quero mais partilhar este mundo com monstros e feras e, também, Só morrendo te vou ver.
A Cura é talvez a pérola maior deste disco, com ecos de Sufjan Stevens, de um natal que está ainda longe e a presença de um coração que acredita de olhos fechados. Após um momento pastoral caminha-se lentamente para um deserto, de luzes apagadas, culpa dos Um Corpo Estranho que chegam com uma guitarra abençoada e uma percussão seca que torna agora assustado o coração, antes de a ferida sarar e de o amor aparecer triunfalmente: Mais do que uma casa tornaste-te um lar.
Tudo termina com You’re My Machine and So Much More, música escrita para a musa que, com palavras, tem semeado e cuidado do jardim de Miguel Reis. Cabe aqui o Brasil inteiro, sobretudo a Bossa Nova, numa canção onde o Português e o Inglês, as duas línguas com que Tio Rex tem construído uma sólida carreira na quase clandestinidade, passeiam de mão dada. No final ouvem-se palmas, bem merecidas para uma voz que, a poucas semanas de fazer 26, é já única.
Fotos de Marta Banza
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