À chegada ao Teatro Maria Matos, uma inesperada multidão enchia o foyer, à espera que as portas abrissem. “Parece que vamos ver o Bon Jovi“, dizia uma voz à nossa frente. De facto, multidões não é propriamente o que associamos a Tim Hecker. Apesar de ser actualmente um dos nomes mais importantes da música electrónica exploratória, o canadiano não é um músico de massas que nos habituemos a ver a esgotar salas. E, no entanto, eis um Teatro à pinha para nos esfregar na cara que estávamos enganados.
Quando as portas abriram fomos engolidos por uma nuvem de fumo. Hecker, conhecido por tocar na escuridão, já tinha dito que para esta digressão, iria tocar dentro de uma névoa, criada pelo colectivo alemão MFO (que, nos últimos tempos, vimos também em colaboração com outro nome maior da electrónica: Ben Frost), mas não pensámos que iria ser assim tão literal. Máquinas de fumo industriais tinham enchido a sala e, no conforto das cadeiras, ninguém veria mais que duas filas de cabeça para a frente e duas para os lados. No palco (ou onde se imaginava estar o palco), barras de leds iam alternando de cor, num efeito que parecia suspender o tempo, quase narcótico.
Não é por acaso que Tim Hecker é o mestre do ambiental. Ao desaparecer em palco, o músico obriga-nos a limitar-nos à fruição auditiva total, sem distracções alheias, mergulhados num ambiente criado pelos sons mas, também, pela envolvente do espectáculo. As pessoas que chegavam mais tarde pareciam vultos que deslizavam ao passar na coxia, enquanto as luzes das lanternas das senhoras que as guiavam eram fogos-fátuos fantasmagóricos que dançavam no vazio.
Engolidos pela nuvem sentíamo-nos, também, a viajar entre estados de espírito. Quando o volume e o ruído aumentavam, o desconhecido em redor tornava-se opressivo e perturbador mas, quando acalmava e entrava em transe circular, tornava-se calmo e relaxante. Entre os coros orquestrais manipulados digitalmente e os sintetizadores marados, viajou-se pelo mantra sonoro de clicks and cuts de Hecker, quase sempre demorado e expansivo. E foi só quando saímos do Maria Matos e a névoa se começou a dissipar, que aterrámos verdadeiramente daquela viagem etérea pelo espaço sideral.
Fotos: José Frade.
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