Há quem, no mundo da sempre inventiva imprensa britânica, descreva a sua música como “uma revolução da psique”, incapaz de repetir fórmulas ou receitas. Com um percurso musical que se estende já ao longo de mais de três décadas, os The Telescopes editaram este ano “Songs of Love and Revolution” (Tapete Records, 2021), o 12º álbum de estúdio, onde descargas de feedback se deixam embalar por repetitivas e hipnóticas linhas de baixo, como numa buliçosa serração rendida ao psicadelismo e a uma dream pop em estado de avançada inflamação. Ao fundo, muitas vezes não indo além de um sussurro, a voz xamânica de Stephen Lawrie vai servindo de guia por entre espirais feitas de uma reconfortante tensão, num exercício de auto-descoberta que pretende alcançar o Santo Graal das emoções: o amor cósmico.
“This Is Not A Dream”, tema de abertura, parece chegar de dois andares acima, insinuando-se através das frágeis fundações de uma casa feita de ruína invisíveis, mostrando que o low-fi destes rapazes é mesmo low, evocando o negrume de uns Low ou o paraíso sónico dos Jesus & The Mary Chain; o volume sobe em “Strange Waves”, mas é no baixo gingão, na bateria sincopada e nas guitarras obreiras que assenta este furacão sónico – guitarras que, quando deixam entrar repentinamente o silêncio, nos abandonam em mar alto e à estranheza das ondas; “Mesmerized” traz-nos a poeira e a quietude do deserto, convidando a uma trip entre amigos; “Come Bring Your Love” é uma carta de amor escrita com uma caneta de aparo, onde da timidez inicial se avança para gestos mais indecorosos; “This Train” é pausa para almoço, onde ao estilo Trainspotting anotamos as variações nos horários atentos às entradas e saídas da Estação Central dos Comboios; “Songs of Love And Revolution” promete fazer do amor uma revolução, oferecendo um cenário bem diferente daquele com que Marvin Gaye tem inspirado o nascimento de muita criançada; “You`re Never Alone With Despair” é o mais perto a que os The Telescopes chegam de uma canção, na qual uma mão pintada de fuligem aguarda tranquilamente por se atirar às cordas; “We See Magic And We Are Neutral, Unnecessary” está no mesmo nível de uns dEUS em Little Arythmetics e, a fechar, há o solene “Haul Away The Anchor”, um tema para marinheiros como Ulisses, esse “herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, quanto lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros” (in Odisseia). Para ouvir com o volume subido e uns bons headphones.
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