Enquanto Theresa May se debate com as trapalhadas do Brexit, a música britânica atravessa um bom momento. Há mesmo uma invasão em curso: as forças colonizadoras do novo jazz londrino estão em franca expansão. Uma das figuras de proa desta Armada é o icónico saxofonista Shabaka Hutchings, um músico excepcional e um colaborador compulsivo – o seu trabalho incansável tem tido cada vez mais visibilidade nos últimos anos.
Hutchings é um dos vértices dos The Comet Is Coming, trio de jazz e electrónica que inclui o teclista Danalogue e o baterista Betamax. O primeiro álbum deste colectivo, “Channel The Spirits”, de 2016, trouxe-lhes uma nomeação para o Mercury Prize e muita expectativa em relação ao futuro. E eis que chega agora “Trust In The Life Force of The Deep Mistery” (2019, UMG Recordings), a confirmar o talento dos músicos britânicos.
Editado pela Impulse, histórica editora ligada a figuras tutelares como John e Alice Coltrane, o disco é um objecto difícil de categorizar, uma soma de vários universos: tem a energia propulsiva de uns Morphine – por vezes lembra até os The Prodigy – colada a uma visão psicadélica espacial, rematada com uns ares de banda sonora de filme de ficção científica (olá Blade Runner!).
Com o primeiro tema, “Because The End Is Really The Beginning”, entramos de mansinho numa cidade do futuro, onde assobiam sintetizadores em paralelo com uma melodia atmosférica de saxofone. Esta música e a que fecha o álbum, “The Universe Wakes Up”, são os pontos de maior calmaria e contemplação, em contraste directo com a energia quase tribal do miolo do disco.
“Summon The Fire” é um shot de energia: o som distorcido do saxofone cavalga uma batida propulsiva, com os sintetizadores a servirem texturas subterrâneas – isto não é bem jazz, é algo novo a abrir caminho para o futuro, música de dança combinada com jazz cósmico, em caldo de experimentação.
Também “Super Zodiac” assenta numa vibração punk, as frases de saxofone a repetirem-se incessantemente de forma quase tribal. Neste disco, o trabalho de bateria é, a dado ponto, puro rock n’ roll, noutras alturas é música de dança, breakbeat, grime e dubstep, uma mescla de influências que ainda assim soa fresca e coerente.
A ameaçadora “Blood of The Past”, que contacom a participação de Kate Tempest, é uma sinistra afirmação de vigor – é a peça central do disco, o único tema com voz, e o solilóquio de Tempest assenta como sopa no mel na atmosfera opressiva da música. “The Blood of The Past is Here, It Remains”, canta, quase numa invocação.
No rol de influências da banda destaca-se a do falecido músico de jazz Sun Ra: o trio abraça a mitologia cósmica e o experimentalismo, criando uma fusão de jazz, música electrónica e afro-beat aditivado, de dimensões intergalácticas.
Os The Comet is Coming virão a Portugal ainda este ano apresentar o disco: dia 16 de Outubro tocam no Hard Club, no Porto, e a 17 no Lux Frágil, em Lisboa. Preparem-se para o impacto.
Promotora: Gig Club
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