É o que os americanos chamam de “going full-circle”, ou, em bom português, a pescadinha de rabo na boca: os The Black Keys vieram do blues e, ao 10º álbum, aos blues regressaram. “Delta Kream” (Nonesuch, 2021) é uma colecção de covers de artistas lendários do blues do Mississipi, como R.L. Burnside, Junior Kimbrough ou John Lee Hooker, entre outros.
O disco foi gravado no estúdio de Auerbach, em Nashville, onde a banda recebeu a ajuda de dois veteranos históricos: o guitarrista Kenny Brown e o baixista Eric Deaton., ambos ao serviço de figurões do blues como Burnside e Kimbrough. As sessões de gravação duraram apenas dois dias, fruto de descontraídas jam sessions, o que só mostra como a banda está em casa com estas canções.
“Crawling Kingsnake” abre o disco da melhor forma: as guitarras de Auerbach e Kenny Brown em diálogo inspirado, a serpentear em volta das batidas cristalinas de Patrick Carney, num tema que transpira carisma por todos os poros. Segue-se “Louise”, onde o registo vocal de Auerbach é discreto e suave. Leva-nos para um fim de noite num bar fumarento, sentados junto a uma reluzente jukebox, de whisky na mão, hipnotizados pela melodia.
O fabuloso solo de guitarra de “Poor Boy a Long Way From Home” é um dos picos de qualidade. O groove sensual de “Stay All Night” é outro ponto alto – os Black Keys mostram-se, nestes temas, como uma bem oleada máquina de blues em velocidade de cruzeiro.
Em “Going Down South” e em “Mellow Peaches” sobressai o órgão vintage de Ray Jacildo, a contribuir para o clima lânguido e pantanoso dos temas. Esse clima é ainda mais evidente em “Come on and Go with Me”, passeio cálido pelas margens do Mississipi. Para quem aprecia o estilo habitual dos Black Keys, “Cool Black Mattie” soa mais familiar, mais ritmado, mesmo continuando fiel ao estilo old school que os músicos quiseram homenagear.
“Delta Kream” é só um álbum de covers, mas consegue a proeza de soar autêntico e fiel ao material original. Ouvimos os músicos a trocar uma palavras casuais entre temas, e as canções terminam de forma descontraída, sem o polimento de estúdio e os fade outs habituais – tudo reforça a sensação de que se trata de um grupo de amigos a curtir, sem grande preocupação.
No entanto, a qualidade das performances é inegável – ouvir “Do The Romp”, por exemplo, sem entrar de imediato no groove, é uma tarefa impossível. “Delta Kream” é um disco que, ouvido de passagem, pode parecer pouco variado. Porém, se lhe dermos a atenção que ele merece, descobrimos nuances e pormenores deliciosos, que valem bem o investimento de tempo. É agarrar nuns bons auscultadores e comprovar.
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