Qualquer que seja o cenário, a ocasião ou a farpela escolhida, Marlon Williams arranja sempre forma de aparecer impecável, sacando de um bolso que juraríamos não fazer parte daquele conjunto de calças pretas uma dose extra de estilo, coisa que o rapaz tem para dar, vender e emprestar com juros de amigo.
No dia de arranque do Super Bock Super Rock, Marlon Williams e os Eurobenders trataram de fazer de gala um fim de tarde bem morno, revisitando os seus dois longas-duração, tocando alguns temas novos e arriscando ainda versão esmerada de um clássico (já lá vamos).
Até quando insiste, convicta e delicadamente, na repetição de uns acordes desafinados ao piano, a coisa lhe corre bem, tratando de perguntar se estamos felizes por estar vivos, divertindo-se a dissertar com humor negro sobre a existência terrena antes do lançamento de “Being Somebody”, um dos novos temas que fizeram parte do cardápio.
E, se “What`s Chasing You” nos mostra como teria sido se Elvis “the man” Presley tivesse nascido nos tempos do indie love, “Dark Child” chega numa versão on the rocks.
O bom humor de Marlon é uma constante, como quando, na apresentação do seu primeiro tema escrito na língua nativa – o maori -, se refere ao título como sendo parecido ao português, espremido entre um “It doesn`t matter” e um “que sera sera”. Logo depois chega aquele momento de fazer as miúdas derreter como um gelado ao sol e os rapazes roerem-se de inveja com tamanho jogo de cintura, mostrando que este vampiro se dá bem com a luz do dia. E que, se a ocasião assim o exige, também sabe sair do caixão e ser o maior “Party Boy” da cidade, nem que para isso tenha de pedir ajuda a um coro da escola bem afinado.
Não falta, claro, o tema gravado com a sua ex Aldous Harding, a que se junta mais um sketch humorístico – “She`s not here. I mean, she`s here” -, antes daquela canção que poderia muito bem ter entrado numa colectânea de fados portugueses gravados em língua alheia – “When I Was a Young Girl”. Para o final ficou o clássico “I Started a Joke”, dos Bee Gees, que Marlon disse serem a sua banda preferida, enquanto se abriam umas latas de cerveja com o sentimento de missão cumprida. À tua, Marlon.
Lançado em 2018, “Wanderer” terminou com uma espera de seis anos na discografia de Cat Power, um hiato temporal e existencial onde muita coisa mudou, seja ter mudado de editora, ter sido mãe ou, em parte, ter perdido em parte a aura de femme fatalle que chegou a ter. Teria sido um concerto jeitoso para uma Aula Magna ou um CCB, mas tanta luminosidade e conversas paralelas acabaram por fazer passar ao lado a melancolia, celebrada sobretudo em temas mais antigos como “Metal Heart”.
Lembram-se de Steve Irwin, conhecido como “o caçador de crocodilos”, um tipo que acabou por morrer após ter sido espetado por um aguilhão de raia? Pois bem, os Jungle não são propriamente conhecidos por terem herdado o espírito Crocodile Dundee imortalizado por Paul Hogan no grande ecrã mas, no que diz respeito a aventuras Groove por entre os arbustos da selva dançante, estão claramente na dianteira com a sua catana. É certo que, daqui a uns bons anos, provavelmente não terão direito a um destaque dourado na enciclopédia dançante, mas esta malta sabe e bem animar uma festa.
O mundo novo de Dino D`Santiago continua a surpreender, agora com um concerto bem diferente daquele desenhado para a última edição do Super Bock em Stock. Dino surgiu no Meco acompanhado de um trio feminino de respeito, com uma indumentária que tanto poderia ser a de um coro gospel alternativo como o fato de uma super-heroína do Black Panther, e que se dividiu entre os coros, o computador, uma beatbox e teclados que marcavam o ritmo. Apostando forte na electrónica, Dino viajou por vários quadrantes da lusofonia, na sua muito particular mistura de R&B, morna, batuku e funaná, e ainda desceu ao centro da festa para chamar a todos de família e abanarmos a anca ao som de “Nôs Funaná”.
Os The 1975 são a boys band desta década, com uma pop saída de dentro de uma tômbola de algodão doce. Por vezes chegam a fazer lembrar os Third Eye Blind, se bem que estes nunca tenham tido o engenho ou a verve de se tornarem no fenómeno à escala planetária destes manchesterianos. Por trás desta indie delicada há, porém, um lado consciencioso e muito atento à realidade. Se, no último longa-duração, foram porta-a-porta fazer um inquérito breve às relações que têm lugar online, no concerto do Meco contaram com a coreografia de animadas bailarinas e um espectáculo visual bem estudado, tudo para dizer que a modernidade falhou a uma geração que, dizem, é muito atenta enquanto um todo. Um concerto no mínimo fofinho.
Como estão crescidos estes Metronomy, que parecem ter trocado o ar desvairado e a brincadeira a que nos habituaram em palco por um estado de concentração que normalmente descobrimos num mestre de xadrez. A festa continua a ser boa, e temas como “Salted Caramel Ice Scream” e “Night Owl” mostram que Joe Mount deixou definitivamente para trás os tempos mais polidos e consensuais, onde temas como “The Look” ou “Everything Goes My Way ajudaram os Metronomy a deixar o anonimato, partindo em direcção a outras experimentações. Veremos o que a nova rodela nos reserva.
E o que dizer do concerto de Lana Del Rey, a rainha do baile do primeiro dia de SBSR? Depois de em 2012 ter escolhido o branco e uma saia de serviços mínimos, Lana escolheu agora o negro e uma farpela que poderia bem ser a de uma agente policial de um filme maroto. Responsável por dinamitar um género musical normalmente não muito longe do politicamente correcto, Lana Del Rey é a personificação da plasticidade assumida, da encenação como encantamento, do desafiar de convenções. Quem, senão ela, assumiria com orgulho ser uma Venice Bitch?
Poucas cantoras publicarão, como ela, fotos onde surge como uma rapariga normal, sem qualquer maquilhagem, tão diferente da imagem trabalhada com que a vemos em palco que chega a parecer uma outra pessoa – uma rapariga que, se víssemos numa festa, não seria certo meter conversa de engate. No Meco, desfilando êxitos, Lana foi cantora e actriz, descendo por duas vezes até junto dos seus fãs, aos quais assinou discos, dos quais recebeu beijos e com quem tirou selfies durante duas pequenas eternidades. Isto enquanto a gravação da sua voz, que deveria actuar como um coro espelhado, se sobrepunha muitas vezes à sua, chegando a dar o ar de um concerto em playback. Mais Hollywoodesco que isto seria impossível.
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