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SBSB: Dia 2 (14-7-2017)

Por Pedro Miguel Silva · Em 15/07/2017

Estávamos em 2004, ano em que Sam The Kid sacava um disco do outro mundo e cantava isto:

Não percebes o que eu digo
Não percebes o que eu falo
Não percebes onde eu vivo
Não percebes o que eu galo
Aprende qu’a missão não é ‘tar no top
é vazio, caga nisso, não percebes o Hip-Hop

Depois de um arranque mortiço a Oriente, o segundo dia do SBSR proporcionou um masterclass de primeira água, que mostrou o hip hop como um universo onde cada planeta, apesar das diferentes rotações e variados tipos de atmosfera e de solo, gravita em torno de um eixo comum: a vida, transformada em ritmos e batidas através da reinvenção da linguagem. Os que não percebiam puto de hip hop terão saído, se não rendidos, pelo menos cientes de que esta cultura é imensa, solidária, vibrante. Os outros, esses, partiram de alma cheia e as rimas na ponta da língua.

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Pusha T, El Presidente, abriu o Palco EDP às cinco da tarde, depois de Rick Geez, DJ de serviço, ter servido um mini set por onde passaram clássicos como “Mask Off”, “Clique”, “Antidote” ou “Famous”, cantados por um público pronto para a festa. Pusha T não desiludiu, cuspindo rimas a preceito, benzendo-se e agradecendo a um Deus distante, dealando como se não houvesse amanhã, falando no sonho antigo de falar, andar e vestir como um rapper e de agora, ao olhar para os ecrãs de televisão, não ver mais do que vítimas. O presidente da “good music”, como não se cansou de repetir, esteve em grande, fosse ao revisitar nomes como os de Kendrick Lamar, Kanye West, Jay-Z ou, sobretudo, à boleia de um disco em nome próprio intitulado “King Push – Darkest Before Dawn: The Prelude”. Melhor era difícil.

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Jesse Reyes falou da traição e do engano como uma cena de cada um, e de como a vida, sendo feita de altos e baixos, impede que a dureza seja permanente, obrigando-a a ser honesta consigo própria e a compor temas como “Figures”, que cantou à viola depois de atirar um “This shit is sad” – e de mostrar uma voz capaz de subir e descer todas as escalas melódicas. Um concerto a que infelizmente apenas pudemos deitar uma espreitadela.

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Keso é um bad motherfucker com sotaque nortenho, mordaz, irónico, insólito, um – palavras suas – branco caucasiano que já anda nestas andanças há uma porrada de anos e sempre de peito feito. Com DJ spot a servir de mestre de cerimónias, Keso armou-se da sua atitude desafiadora para nos contar sobre a ascensão ao estrelato, apontar o dedo ao rap dos adereços – e dos murmúrios -, chamar os governos pelos nomes, riscar do Diário da República a Lei do Tabaco, elogiar a Super Bock como o néctar que vem do norte – para compensar o mijo fabricado e bebido a sul – ou, ainda, para partilhar que o rap pode ser um fraco cartão de apresentação quando se conhecem os possíveis sogros. “Medo”, “Defeito Sério”, “Oiçam” (assente no sample do clássico de Eduardo Nascimento), “Na Rua Tenho Acústica”, “Insólito”, “Fumo Que Eu Fumava”, “À Noite”, “Gente e Pedra” ou “Underground” fizeram parte de uma muito bem desenhada set list, com palavras atiradas como pedras mas claras e certeiras em cada uma das suas sílabas.

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Slow J mostrou por que razão se transformou, no espaço de um ano, num ícone do hip hop nacional – mesmo que alguns narizes e ouvidos mais puristas se tenham torcido ou fechado. “Se estiverem confusos, a tentar saber se isto é hip hop ou rock, não se preocupem. Vai correr tudo bem“. E a verdade é que correu mesmo, com as canções de “The Art of Slowing Down”, essa rodela maior lançada este ano, a desfilarem quase sempre num coro universal. “Quando tamos na casa, toda a gente é família“, disse a certo momento  Slow J, diante de uma imensa família que assistiu a um concerto a roçar o épico, sempre com muitos braços no ar, letras sabidas de cor e muito sentimento, de um rapper que para lá do dedo no gatilho gramatical sabe cantar e levar as suas melodias a atravessar a pop, o fado, o rap, o rock. Usando as palavras de Slow J, “foi um prazer do caralho estar aqui“.

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Coube a Akua Naru mostrar a face mais jazzy e cool do hip hop, num concerto que começou morno e, pela altura em que levantámos vôo para outras paragens, estava praticamente em ponto de rebuçado. Num diálogo constante com o público, Akua Naru – uma verdadeira lutadora e cativadora de multidões – deu a conhecer a palavra mais importante – obrigado – de qualquer língua, falou da música como algo mais poderoso do que qualquer desentendimento gramatical, assumiu o concerto de ontem como um convite à co-criação – onde o público é o instrumento final – e falou do hip hop como o terreno do amor. Um verdadeiro furacão esta Akua Naru, num concerto que musicalmente terá sido o melhor do segundo dia do SBSR.

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E o que dizer de Future, que encerrou a noite na Meo Arena perante umas dez mil almas em estado de delírio puro? Praticante do que já quase convencionou chamar de mumble rap, Future actou praticamente sozinho, ladeado de tempos a tempos por um punhado de dançarinos e com os ecrãs a servirem de muletas, num concerto muito despido cenicamente para um palco tão grande e para o estatuto de cabeça de cartaz. E, se a sabedoria popular nos diz que “vozes de burro não chegam ao céu”, será difícil dizer o mesmo dos murmúrios entoados num coro que, mais do que palavras, gerou ondas sonoras. Passará o futuro do rap por aqui? Temos sérias dúvidas.

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À margem de um dia consagrado ao hip hop, assistimos ao concerto dos London Grammar, feito de muita simplicidade e uma beleza digna do tempo das divas de cinema a preto e branco. Hannah Reid esteve em grande, indo dos graves aos agudos como aquela ciclista que tanto faz contra-relógio como subidas à montanha, acompanhada por Dan Rothman, na guitarra, e Dot Major, o multi-instrumentista que vai construindo as camadas e níveis sonoras por onde se passeia a voz da sereia.

Com um cenário minimalista, a banda tinha em fundo um ecrã por onde passavam imagens de paisagens terrestres e aventuras espaciais, que, no grande final com “Strong”, passou num loop vertiginoso imagens de organismos e células, nebulosas e buracos negros, numa mistura entre a história do mundo natural e a criação artificial feita pela mão do homem. No final, os sorrisos de felicidade de Hannah valeram mais do que todas as palavras da gramática inglesa. O regresso a Portugal, agora em nome próprio, deve estar para muito breve.

 

Fotos cedidas ao Deus Me Livro pela organização.

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Pedro Miguel Silva

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