Os Santos fizeram a festa, a sardinha já não pode ser pescada mas, ainda assim e apesar do Inverno estar finalmente a chegar, há um dos eleitos do Senhor que insiste em manter as brasas acesas, as colunas ligadas e a pista de dança iluminada.
Fala-se aqui de S. Pedro – que assina no BI como Pedro Pode -, em tempos capitão de uma banda chamada doismileoito, que depois de um marinanço tremendo – que terá começado por volta de 2012 – conseguiu finalmente lançar o disco “O Fim“, uma rodela que mostra uma apetência para o letrismo, um jeito tremendo para a orquestração e que comete a proeza de fazer a música popular portuguesa saber a indie.
“CBVD”, o tema de abertura, mostra uma linha de baixo que incita ao egoísmo e ao segredo, o não voltar aos lugares onde se foi feliz, tudo em nome da memória futura. Aos poucos vão chegando de fininho outros instrumentos, cercados por coros subtis que são uma presença angélica durante todo o disco.
“Que Azar” é a canção mais humorística do disco, onde um tipo tem de enfrentar a despedida à francesa de uma namorada que, para acentuar ainda mais o negrume, lhe entrega a guarda de um cão assim meio para o doido. Há uma guitarra a disparar acordes acústicos e certeiros mas também metais e vozes que chegam para espantar o azar.
Depois do humor segue-se a depressão de “Quim”, a história de um suicídio motivado por uma vida das 9 às 5 a ouvir reclamações em que os sonhos foram derrotados perante a rotina. Há cordas sacadas a orquestras e um piano que se ouve como o disparar de uma máquina fotográfica.
Avanço para “3 Minutos” em contagem decrescente, um testemunho sobre um amor arrumado na gaveta das meias que esconde o desejo de uma ressurreição do coração: “Ninguém deu por nós assim, já nem sei se isto aconteceu, tantas horas tanto latim, quero ar no meu peito outra vez“. Instrumentalmente este tema é um mundo.
“Desta festa restas tu e eu“. Começa com esta linha que poderia ser de engate o tema “Amores de Inverno”, lugar onde o tempo parece infinito e o vento aparece para empurrar um amor a prazo. Ainda assim o Verão fica longe e o presente merece ser vivido e cantado, a plenos pulmões como no refrão que chega e se instala como flocos de neve a cair do lado de fora da janela – isto enquanto os corpos se vão entretendo em brincadeiras dadas ao tempo frio.
Em “Fazer Amigos” o território é mais negro, numa descida ao poço acompanhada por um tambor militar: “Tanta coisa e agora não te vejo a rir, ainda procuro orgulho em mim“. Uma mão estendida espera por ser apertada enquanto durar a electricidade de uma guitarra.
“Modas” são a casa de um “filho bastardo bastardo da mãe fado e da paixão“, “uma promessa feita à pressa na noite de S. João“. Recusam-se as tendências e opta-se pela criação abençoada por um coro angelical. Se há moral por aqui é a de que as aparências, sejam elas o tamanho das calças ou as camadas de verniz, iludem.
No “Pinhal” há polícias à porta, estradas tortas, um pinhal que surge como casa e uma vontade imensa de dormir, num tema que é quase de auto-flagelação.
“Será?” é um tema enorme sobre uma relação onde o melhor apenas chega quando se está a dormir. Mas vale a pena insistir, nunca se sabe quando o sonambulismo fará das suas.
“Toudouvou” mostra timidez a rodos, numa jura de amor que atinge o incondicional – “Vem que eu estou, pede eu dou, chama eu vou, onde for” – e que, a certa altura, entra numa atmosfera a la Doors.
“Conversa com o Senhor” ouve-se como uma confissão às portas do Purgatório, que revela um desejo de mudança para que, mais tarde, se possa voltar ao Céu de boca cheia: “Senhor desta vim para ficar“.
Há ainda um novo guarda-roupa para “Joaquim”, aqui numa versão low fi do suicídio em que as asas permanecem cortadas.
Nesta sua primeira aventura a solo, S. Pedro escreveu um salmo que merece estar entre as grandes leituras do ano. Um grande Ámen para Pedro Pode.
Sem Comentários