A um mês e pouco de mais uma edição do Primavera Sound 2023 Porto, que irá tomar conta do Parque da Cidade entre os dias 7 e 10 de Junho, destacamos por aqui 14 concertos. Que os horários se alinhem e estejam connosco.
7 Junho
Segundo rezam as crónicas, o alimento criativo de Alison Goldfrapp foi caçado em lugares tão distintos – e distantes – como T. Rex, Kate Bush ou Iggy Pop, levando-a a construir uma house music que está no mesmo comprimento de onda de, por exemplo, uma jovem Dua Lipa. Após uma carreira de mais de 30 anos, que desde 1999 teve como epicentro de operações os Goldfrapp – banda que formou com o seu parceiro sentimental e criativo Will Gregory -, Alison Goldfrapp despe mais uma das suas peles e prepara-se, agora a solo, para mais uma volta à pista de dança à boleia de “The Love Invention”, disco com edição prevista para 12 de Maio. A julgar pelos singles, temos hits para dançar até o sol nascer.
Aos 12 anos, em jeito de homenagem a Missy Elliott, a menina Georgia Barnes decidiu chamar Missy ao seu hamster, o que talvez fosse já prenúncio de uma animada jornada musical. A juntar a este precoce episódio, ter como pai Neil Barnes, uma das caras-metades dos gigantes Leftfield, ou o facto ter tocado bateria para a revolucionária Kae Tempest, levou-a a desenhar uma carreira no universo da synth pop que, até ao momento, rendeu dois recomendados longas-duração – “Euphoric”, o terceiro capítulo da história de Georgia, tem data de lançamento prevista para 28 de Julho. Multi-instrumentista, deverá surgir no Primavera rodeada de máquinas, pratos e teclados, uma mulher-orquestra que nos conduzirá de mão dada pela pista de dança. Dancemos de coração aberto.
Se gostam de Olivia Rodrigo, o concerto de Holly Humberstone é daqueles para assistir da primeira fila. Com apenas 19 anos, a britânica estreava-se em Glastonbury e, desde então, tem tido um hype que a fez aparecer em tudo o que era lista de nomes a seguir de perto nos próximos tempos. 2022 viu chegar “Can You Afford To Lose Me?”, disco de estreia onde o amor e a perda são o prato do dia. Concerto fofinho na certa.
No universo do hip-hop contemporâneo, a luta pelo protagonismo e os jogos de poder foram tantos que, a certa altura, mais parecia estarmos num livro da Guerra dos Tronos feito de rimas e adornado de batidas. A verdade é que, do meio do tumulto, emergiu um rei incontestável, capaz de se sentar no desconfortável trono: Kendrick Lamar. “Good Kid, m.A.A.d City” “To Pimp a Butterfly”, “DAMN.” ou o mais recente “Mr. Morale & The Big Steppers” são capítulos essenciais da história musical contemporânea, discos carregados de espírito lírico onde, por entre samples que mergulham no melhor do jazz e da soul, se celebra a cultura afro-americana numa afiada crítica social que é também semente para uma necessária revolução. No primeiro dia do Primavera, será obrigatório fazer a vénia ao Rei Lamar.
8 Junho
Para quem julgava que o fenómeno Rosalía era coisa passageira, o tempo tratou de provar o contrário. Se, com discos como “Los Ángeles” e “El Mal Querer”, a catalã começou por se divertir a reinventar a música espanhola – um pouco como o fez C. Tangana no delirante “El Madrileño” -, “Motomami” levou-a ao patamar mais alto da pop global, num disco com uma vibe pessoal onde descobrimos temas tão castiços como “Bizcochito” ou, em paralelo “Despechá”. No segundo dia do Primavera, Chicken Teriyaki é prato obrigatório para ter na ementa.
Depois do abençoado negrume que habitou as suas primeiras rodelas, Michelle Zauner, artisticamente conhecida como Japanese Breakfast, mudou por completo o menu e serviu-nos de bandeja “Jubilee” (2021), disco festivo e muito indie que celebra a vida e a sua dupla origem coreana e americana – “Be Sweet”, por exemplo, teve direito a uma versão coreana que ficou ainda melhor que a original. Nesta nova vida, Michelle Zauner teve ainda tempo para dar música a “Sable”, um muito castiço jogo onde atravessamos desertos e descansamos os olhos em paisagens de cortar a respiração. O pequeno-almoço está garantido.
9 Junho
Ironia. Talvez seja esta uma das emoções centrais da discografia dos Pet Shop Boys – quem não se lembra dos deliciosos versos “I Love You, You Pay My Rent” -, banda que faz de cada concerto uma performance que mais parece um cruzamento entre uma peça de teatro e uma space opera – quem esteve há alguns anos no Super Bock Super Rock pôde assistir a uma pérola de concerto. No Primavera, espera-se um best of composto por temas como “It“s a Sin”, “West End Girls” ou “Go West”, mas sobretudo um concerto com muitas mudanças cénicas, trocas de roupa, dançarinos perdidos em coreografias épicas e aquele clima de festa com que são pintados os melhores dos sonhos. Neil Tennant e Chris Lowe estão aí para as curvas.
Em 2018, Pusha T mostrou-nos que “Daytona” não é apenas sinónimo de velocidade, chegando-se à frente com um disco de eleição que materializou uma carreira sempre atenta à espuma dos dias. “It’s Almost Dry”, disco de 2022, é provavelmente um dos maiores trabalhos de Pusha T – vocalmente irrepreensível, musicalmente exploratório -, por onde se passeiam gente como Kanye West, Jay-Z, Pharrell Williams e onde se bebe Diet Coke para manter a linha. Aos quarenta e muitos, Pusha T mantém-se na linha da frente.
Há um quê de Pixies e um outro quê de Nirvana nas malhas do disco de estreia de Blondshell que, se é certo não ter inventado a roda, tem tudo o que se pode esperar de um novo talento indie-rock moderno: um ar clássico bem posto, letras sem grandes pruridos (que lidam com sexo, amor, mágoa e os belos dos vícios) e juventude a rodos. De loura burra não tem mesmo nada.
10 Junho
Haverá, no mundo da pop, instituição maior que os Blur, praticamente os sobreviventes únicos do que, a certa altura do calendário terrestre, se decidiu chamar de brit pop? Com uma carreira espaçada para dar alimento tanto à vida pessoal como a outros projectos paralelos, Damon Albarn, Graham Coxon, Alex James e Dave Rowntree estão de regresso para mais um passeio à escala global, recordando-nos de que a sua música é, também, a história das nossas vidas. Do shoegaze à glória brit-pop, passando depois por uma pop mais inquieta, os Blur são a personificação – e a perfeição – da música pop, com um cancioneiro que cada um conhece mais ou menos de cor. No último dia do Primavera, “There’ s no other way”: o sentido obrigatório aponta para aqui. Woo-hoo!
Os Sparks, instituição musical fundada pelos irmãos Ron e Russell Mael, têm uma daquelas vidas que, se transformadas em literatura, seria como um cruzamento entre “Alice no País das Maravilhas” e “Charlie e a Fábrica de Chocolate”: lançaram um disco (produzido por Todd Rundgren) sob o nome provisório de Halfnelson, apenas para o rectificar e relançar alguns meses mais tarde sob um novo baptismo; navegaram, sem recurso a mapas, entre o saxofone gratuito e os violinos sem sentido; gravaram discos com Franz Ferdinand e tiveram direito a documentários realizados por Edgar Wright; dedicaram rodelas a Ingmar Bergman e, por falar em filmes, o que dizer de “Annette”, joint venture com Leos Carax que pôs as suas composições na boca de Adam Driver e Marion Cotillard? Que esta possa ser uma noite que faça faísca.
No congestionado mundo da pop, Halsey foi sempre algo dissonante, como que se recusando a ser o objecto passivo do desejo alheio. “If I Can’t Have Love, I Want Power”, o seu mais recente longa-duração, tem um certo travo a manifesto, reclamando uma individualidade e apontando o dedo à máquina da indústria musical. A produção de Trent Reznor e Atticus Ross resultou num disco onde há uma saudável indisciplina, e no qual Halsey reina como uma rainha sem agenda. É de marcar audiência.
Formados a partir dos destroços dos Joy Division, os New Order foram uma das primeiras bandas a mostrar-nos que uma banda não teria de perder temp a escolher entre guitarras e sintetizadores, abrindo um novo caminho na história da pop electrónica. Com uma carreira de largos anos, esta é apenas a terceira vez que Bernard Sumner, Stephen Morris, Gillian Gilbert, Phil Cunningham e Tom Chapman pisam os palcos portugueses, num concerto que tem tudo para ser uma celebração. “Temptation”, Thieves Like Us” ou “True Faith” são hinos obrigatórios. Tratem de ir afinando as gargantas e polindo os sapatos de dança.
É uma daquelas bandas que, por detrás da sua formação, contam uma história capaz de servir de argumento a uma curta-metragem: quando ouviu “Electricity”, tema dos Orchestral Manoeuvres In The Dark, a rolar nas colunas do carro de seu pai, Richard Devaney teve uma epifania, concluindo que não fazia sentido ter uma banda se nela não incluísse um teclista que gostasse tanto de synth-pop quanto ele. Atirou com os The Static Jacks, a sua anterior banda de rock, às urtigas e, juntamente com o baixista Michael Sue-Poi, partiram para encontrar alguém que pudesse trazer o brilho indie dos anos 80 para um teclado. Aidan Noell entrou em cena e, desde 2016, os Nation of Language já nos ofereceram dois esmerados longas-duração, mergulhando numa era em que não viveram com um olhar contemporâneo. Pode bem ser um dos grandes concertos do Primavera.
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