Há cerca de dois meses, Mister José Mourinho deixou a Britânia às aranhas depois de utilizar uma expressão portuguesa para criticar aqueles que diziam que o futebol do Chelsea era tão aborrecido quanto os filmes de Manoel de Oliveira: the dogs bark and the caravan goes by.
No caso de Os Capitães da Areia, não foi necessário avançar para uma tradução quase googliana de uma outra máxima que, ainda assim, a banda portuguesa conseguiu contrariar, tendo trocado a camioneta por um centro comercial transformado em nave espacial, e tudo porque o Vasco carregou no botão encarnado.
“A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70” (Amor Fúria, 2015), o segundo longa duração da banda, é um pequeno óvni musical com a forma de gelado como há muito não se ouvia por cá, um disco entre o descomprometimento e o conceptualismo que, ao decidir percorrer o universo quase de uma ponta à outra, revisita igualmente muita da cultura musical portuguesa, com ecos que vão dos Heróis do Mar aos Sétima Legião – comprovar em “Arco das Portas do Mar”.
Capitães que, nesta viagem pelo espaço infinito, não estão sozinhos, encontrando pelo caminho gente de galáxias tão longínquas como Rui Pregal da Cunha, José Cid, Miguel Ângelo, Toy, Tiago Bettencourt, Capitão Fausto, Samuel Úria, Tiago Cavaco, Manuel Fúria, Lena D`Água ou… Bruno Aleixo.
«A combustão é a solução», ouve-se no diálogo de abertura antes de o Apolo 70 se transformar em espaço-nave, partindo para uma missão onde também se recorda a cultura portuguesa e além-fronteiras de algumas das décadas que ficaram já para trás das nossas costas: em “A Partida para o Espaço”, por exemplo, encontramos o Elvis a flutuar enquanto Agostinho, esse imortal desportista das duas rodas, vai pedalando como se não houvesse amanhã. Mas o melhor de tudo é mesmo o pão com marmelada lá de casa, cantado a certa altura por um coro alentejano em modo ET; ou, mais tarde, numa tentativa fracassada de aterragem de emergência no Planeta-Frágil, apenas autorizada a clientes habituais, o que obriga a um desvio que terminará numa épica batalha espacial.
«Bem-vindos a Portugal, Atlântico oriental», canta Manuel Fúria sem precisar de segurar um cartaz com o nome dos Capitães, recebendo-os com beijos espaciais depois de uma viagem ao nível de uma missão StarTrekiana, que termina com uma palavra que diz tudo (ou pelo menos muita coisa): Rosebud.
Disco para dançar, feito de acordes inconscientes, teclados em ebulição – ou combustão -, batidas em delírio líquido e refrões para serem cantados e partilhados com os vizinhos de cima e de baixo, “A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70” é um disco tremendamente divertido que, por isso mesmo, deve ser levado muito a sério. Um pequeno monumento pop com a forma e o fascínio de um pequeno rectângulo desenhado à beira-mar.
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