O segundo dia do NOS Alive trouxe-nos Dua Lipa e o seu accent com poder de desmaio, que só por si valeu a queima dos 79€ no bilhete. Seguem-se mais alguns postais Alivianos, de um dia que nos trouxe um concerto para apagar da memória – vai ser difícil – e uma boa surpresa a desoras.
Depois de terem andado a escavar a genealogia familiar, as irmãs Rebecca e Megan Lovell descobriram que Edgar Allan Poe, o escritor que fez do corvo a mascote do gótico, era seu great, great, great, great-grandfather. Ignorando que a Literatura já conheceu melhores dias, as manas baptizaram-se a partir deste achado, registando-se na conservatória musical como Larkin Poe. O gótico sulista e o sobressalto de Poe não são evidentes na sonoridade da banda, mas há algum negrume escondido por detrás da tranquila aparência de mecânicas que vestem ganga com orgulho. Promovendo uma conversa entre a guitarra eléctrica e a slide guitar, as Larkin Poe conduziram-nos até Nashville, Tennessee, lugar onde o blues é ainda a língua nacional. E onde, no lugar do chá, se serve um whisky a acompanhar o lanche.
Se, na noite anterior, Jessie Ware tinha dado show de bola num cabaret de luxo, daqueles onde só se entra de fato completo e conta bancária recheada, Ashnikko trouxe-nos uma versão brejeira da vida nocturna, um little creepy show – palavras suas – feito com as suas “pequenas canções”. Dizendo estar doente, avisou que poderia tossir entre canções, recorrendo a garrafas miniatura para aviar uns “ginger shots”. Com um discurso de jardim escola, que ia pontuando com uma falsa timidez e o seu “carisma e rabo”, Ashnikko navegou entre as malhas do rap, do trap e de outras geografias sonoras, naquilo que se assemelhou a uma aula aberta de ginástica localizada sob o efeito de estupefacientes de valor. Para (tentar) esquecer – olhem que vai ser difícil.
“Este é o meu maior set em festivais, estou ansiosa por partilhá-lo convosco”. As palavras pertencem a Arlo Parks, substituta de última hora da sul-africana Tyla que, “por motivos de força maior” – como avançou a organização -, teve de adiar a sua estreia em Portugal. Arlo Parks é uma fixe, não nos levem a mal, mas a agitação que se pedia antes da entrada em cena de Dua Lipa era outra. Se a isto juntarmos a voz doce de Arlo, que de cada vez que falava parecia pedir licença, digamos que foi difícil ter foco num concerto que serviu de aquecimento à deusa Lipa. Não foi música de elevador mas andou lá perto.
Quando alguém escolhe, como arranque sonoro e antes de uma época de treinos intensa, o sample imortalizado pelos Primal Scream em “Loaded”, as expectativas sobem em flecha. Cabeça de cartaz do dia do meio do NOS Alive, Dua Lipa transformou o Passeio Marítimo numa arejada pista de dança, naquele que terá sido o concerto mais festivo – e provavelmente o melhor – desta edição. Em três discos, Dua Lipa mergulhou na história da house music e reclamou-a para os nossos dias, ao estilo de uma Gloria Gaynor 3.0 com mais descaramento, sedução e poder de combate. Nesta sessão de optimismo radical, assistimos a um episódio de Fame – para os mais novos, substituir Fame por Glee – em tempo real, com muito suor, coreografias esmeradas e versões mais musculadas de temas que são já clássicos para quem gosta de abanar a anca. Houve, entre muitas cerejas, uma versão delirante de “These Walls”, um “Levitating” com pinta DaftPunkiana, um “Houdini” que trouxe fogo-de-artifício antes do sumiço ou a jura eterna a um amor – “Be The One” – que nunca se cansará de cantar. “We created something phenomenal, don’t you agree?”. Claro que sim.
E não é que saiu da tenda Clubbing uma das grandes actuações deste NOS Alive? Na sua estreia em Portugal, país para o qual viajou directamente da Austrália, o rapper, vocalista e grande leitor Genesis Owusu arrasou. À boleia de uma mistura sónica entre punk e spoken word, rap e sintetizadores funkadélicos, indo do falseto a uma voz das cavernas, Owusu foi o grande criativo – e MC – desta edição, ele que actuou sozinho em palco usando registos pré-gravados. Pegando de quando em vez num livro luminoso, enquanto se iam escutando excertos que serviam de separadores musicais, o músico tratou a arte da experimentação por tu, e ainda teve tempo para falar de nós, míseros humanos, como vermes persistentes que não desistem mesmo com a finitude à vista. Grande malha!
Fotos
José Fernandes (Larkin Poe)
Eduardo Filho (Ashnikko)
Matilde Fieschi (Arlo parks)
Rita Seixas (Dua Lipa)
Guilerme Cabral (Genesis Owouwo)
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Promotora: Everything is New
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