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NOS Alive 2022: o dia em que Stromae nos ensinou a dançar (e a falar francês)

Por Pedro Miguel Silva · Em 08/07/2022

É um caso muito sério da música com pronúncia francesa há já largos anos mas, estranhamente e até à passada noite de quarta-feira, não se tinha ainda estreado em palcos portugueses. Nascido na Bélgica, Stromae – um trocadilho com a palavra Maestro – é aquilo que se costuma chamar de artista completo: exímio contador de histórias, performer nato, observador atento do mundo e das suas contradições, dilemas e desigualdades – nas suas letras há lugar para a violência doméstica, as clivagens económicas ou o colonialismo, tudo embrulhado num festim onde a dança se diverte com a música pop. A somar a tudo isso, Stromae criou ainda a Mosaert, uma linha de roupa por si desenhada – diz-se que Jean-Paul Gaultier está entre os fãs – que dá, também, nome à sua própria editora.

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Após a edição dos dois primeiros álbuns – “Cheese” (2010) e “Racine Carrée” (2013) -, onde encontramos temas épicos como “Papaoutai” ou “Alors On Danse” -, Stromae desapareceu de cena durante quase uma década, regressando este ano com um disco triunfal: “Multitude”. Um desaparecimento motivado por uma depressão grave que o afastou da música no final de 2013, a que se terá juntado a inércia artística, a vontade de viver como um simples mortal e o então irresistível apelo do silêncio.

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“Multitude” é, para além de um mergulho na intimidade do músico belga, um disco atravessado pela multiculturalidade e a fusão musical, com arranjos primorosos que vão de uma banda sonora alternativa ao Rei Leão – “Invaincu” – à reinvenção da chanson française com o embalo de Brel – “L’Enfer”, música sobre saúde mental e menção ao suicídio que, cantada em horário nobre nos estúdios da TF1, dividiu águas como Moisés. Um caldeirão de influências e sonoridades que só mesmo Stromae conseguiria domar sem correr o risco de fazer asneira, um pouco como a poção mágica entregue em exclusivo a Panoramix.

Nesta viagem pela tragédia humana, o eurodance e a electro-pop são agora um tímido vislumbre, abrindo espaço para geografias africanas, caribenhas e outras, nas quais instrumentos tão incríveis como o erhu chinês, a zurna asiática ou as cordas andinas do charango, sem esquecer o cravo e todo o arsenal trazido pela Orquestra Nacional Belga, que marcou também presença num disco que estará, muito provavelmente, em muito boa lista dedicada a eleger as melhores rodelas do ano.

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Com a debandada de muito do público que assistiu a um suplício chamado The Strokes, o palco ia sendometiculosamente  montado, ficando desde logo o aviso de que as luzes strobe iriam entrar na equação. Como entraram também os efeitos visuais e as muitas animações desenhadas para o espectáculo, ao estilo de curtas-metragens protagonizadas pelo próprio, começando por uma viagem espacial que terminou na geografia certa, mostrando Portugal assinalado no mapa com um ponto vermelho.

Fazendo lembrar as naves espaciais da trilogia primeira de Star Wars – as AT-AT e suas variações mais maneirinhas -, surgiram num deslize perfeito no palco quatro mesas de trabalho, onde se sentaram quatro membros da armada Stromae, vestidos a rigor e com muito aprumo, que iam alternando entre o lançamento de beats, algumas cordas e muitas teclas.

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Por falar em Star Wars, Stromae surgiu, qual comandante imperial, por detrás de um palanque, num discurso motivacional de boas-vindas onde mostrou a vontade de ser “Invaincu”. No grande ecrã marchavam soldados, que haviam trocado a marcha pela dança e as armas por chapéus de chuva, dando corpo a “Fils de joie” e a uma abertura calorosa de Stomae, que, num português a roçar o perfeito, deu as boas noites a Lisboa. “É a única coisa que sei dizer”, atirou em francês, língua que, no referendo proposto mais à frente pelo artista, ganhou aos pontos à inglesa. Confessando-se feliz por estar em Portugal, prometeu uma viagem por entre novos e velhos temas, que arrancou nessa altura com o já hino “Tous les mêmes”.

Em “La solassitude”, Stromae revela o seu lado de performer nato, actor saltimbanco, interagindo com uma poltrona deslizante, onde foi alternando entre o estiramento confortável e o despejo no chão como um sem-abrigo sem tecto, enquanto na versão animada ia vivendo a sua própria versão de “Serenata à Chuva”, recebendo das mãos de um braço mecânico um salvador guarda-chuva.

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Stromae chama depois um companheiro improvável, um cão-robô de quatro patas a que só faltou mesmo dar a patinha. Isto antes do épico “Papaoutai”, onde todos cantaram em coro – mesmo aqueles que não pescavam uma palavra de francês -, convidados mais à frente para um momento com alguma dose de aeróbica.

Pelo meio, evocando o cenário construído por Tim Burton a partir da fábrica de chocolate do arquitecto Roald Dahl, um grupo de diligentes umpa lumpas ia tratando de fazer aparecer e desaparecer toda uma série de objectos e maquinaria, acrescentando ainda mais camadas a um concerto que teve tudo para ser arrancado ao território da fantasia.

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“Formidable” recupera a veia teatral de Stromae, aqui numa reinvenção do Shakespeariano Hamlet, abrindo caminho a uma sulfurosa versão de “L’Enfer”, que parecia trazer consigo o fogo das entranhas da terra. “Santé” oferece um dos momentos mais divertidos da noite onde, à semelhança de uma viagem aérea, se ia explicando passo a passo e muito graficamente uma complicada coreografia, que incluía passos para o lado, fazer uma espécie de beicinho e caminhar agitando os braços no mesmo sítio.

Para o encore ficou guardado o incendiário “Alors on danse”, momento de pura celebração colectiva, seguido pela inesperada rendição, a capella, de “Mon Amour”, precioso momento musical capaz de fazer aparecer uma lagriminha. Numa palavra, magnifique.

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Foto: João Silva

Setlist

Invaincu
Fils de joie
Tous les mêmes
Mon amour
La solassitude
Quand c’est ?
Mauvaise journée
Bonne journée
Papaoutai
Ta fête
Pas vraiment
Formidable
Riez
L’enfer
C’est que du bonheur
Santé

Encore

Alors on danse
Mon Amour

 

Fotos: Arlindo Camacho (excepto a assinalada)

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Pedro Miguel Silva

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