“Olá, eu sou a Cuca Roseta e estas são as minhas nádegas, traseiro, glúteo, rabo”. Foi desta forma literal, acompanhada por uma foto que dispensaria qualquer legenda ou nota de rodapé, que a fadista portuguesa reagiu a uma polémica que começou, imagine-se, com um elogio ao… bacalhau. Gastronomia, redes sociais e polémicas à parte, a verdade é que, para muita boa – e assim não tão boa – gente, a tradição ainda deve ser o que era nos tempos mais cinzentos, sobretudo quando a coisa mete muito fado, algum futebol e a invocação do nome de Fátima. E bacalhau.
No caso dos Expresso Transatlântico não há, até ao momento, registo de qualquer nádega mostrada, mas a verdade é que a banda pegou na tradição, embrulhou-a num bonito naperon e partiu para uma reinvenção da guitarra portuguesa, juntando-lhe paisagens arrancadas ao western e a outras geografias situadas fora do rectângulo à beira-mar plantado.
O trio é encabeçado por Gaspar Varela, jovem prodígio da guitarra, que partilha a árvore genealógica com a deusa Celeste Rodrigues. Gaspar lançou o seu disco de estreia em 2018, então com 15 primaveras, e depois disso andou pelos Estados Unidos em tournée com Madonna. A ele junta-se o irmão Sebastião Varela, que numa outra vida é realizador de cinema (Creating Neptune, 2018; Before the Wind, 2019) e foi produtor do filme Zé Pedro Rock’n’Roll (2019), e também Rafael Matos. Sebastião Varela toma conta da guitarra eléctrica e dos teclados, Gaspar Varela da guitarra portuguesa e Rafael Matos da bateria.
Na tarde de ontem (7 Julho), o trio – aumentado para quinteto – aterrou no palco Clubbing do NOS Alive à boleia do EP homónimo, que havia sido apresentado na recta final de 2021 no Teatro Maria Matos. Um concerto que mostrou que estes rapazes estão no bom caminho para trilhar o seu percurso instrumental, um pouco como tão bem o fizeram, por exemplo, os Dead Combo. Ainda que, no seu caso, as influências, geografias e jogos de cintura musicais sejam bem distintos, juntando às cordas a intensidade dos sopros e o embalo da bateria.
Em palco é notória a construção de uma estética visual muito própria, materializada na indumentária da banda ou na elaborada mas discreta composição do cenário: há uma cadeira de ripas de ar clássico, um banco de madeira vermelho, descascado, a fazer lembrar dias de escola ou almoços de família, um naperon a enfeitar a bateria ou um simpatico cão de louça, em formato mini, beijado mais à frente por Gonçalo após um tema a solo em que tocou sentado, na beira do palco, de pernas cruzadas.
Um concerto deliciosamente curto onde, para além dos temas do EP, houve ainda espaço para uma valorosa recriação da “Canção de Embalar”, de José Afonso, e para Gaspar Varela sair de Algés depois de arriscar o seu momento de crowd surf. Muito bom.
Fotos: Sarahawkkk
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