Habituámo-nos a ver Noiserv quase como uma orquestra de um homem só, perdido entre inúmeros instrumentos em palco, uns mais convencionais que outros. Era – salvo a tentativa forçada de fazer o trocadilho com o título do seu penúltimo disco – uma orquestra quase visível. Por isso, a sua opção de lançar agora um álbum reduzido ao piano, maioritariamente instrumental, corre o risco de parecer radical. Além disso, o facto de as canções serem curtas, como farrapos de outras canções, num total pouco superior a 15 minutos, também pode levar a parecer que este é um trabalho de alguma forma incompleto.
No entanto, o concerto de apresentação deste novo trabalho – com o numérico título de 00:00:00:00 -, que decorreu outra vez no São Luiz (porque, para Noiserv, é “uma das mais bonitas salas de Portugal“), não se fez apenas desses temas minimalistas. Em palco estava montada toda a orquestra de Noiserv e, projectado por trás, uma câmara digital dava em tempo real a perspectiva oposta do palco, ou seja, de trás para a frente.
O concerto arrancou com dois dos temas novos – “7” é um tema muito cinemático, muito yanntiersiano (acabámos de inventar um adjectivo), que podia muito bem aparecer na banda-sonora do “Amélie”, e “15” é um estudo para algo que poderia vir a ser uma interessante canção cantada em português -, para depois mergulhar em toda a carreira de Noiserv, desde temas do já longínquo disco de 2008, “One Hundred Miles From Thoughtness” (e “Bontempi” foi mesmo a canção que encerrou o espectáculo, enquanto que “Bullets on Parade” foi tocado a pedido de uma amiga, porque a amigos de longa data não se recusa nada) ao já citado “Almost Visible Orchestra”, passando inclusive por “Palco do Tempo” (da banda-sonora de “José & Pilar”).
Em “Mr. Carousel” pudemos observar na perfeição o método de trabalho de Noiserv, uma espécie de jogo lúdico (e quando antes dissemos que as suas músicas podiam ser parte de uma banda-sonora de Yann Tiersen, esta podia aparecer na boa no cinema de bricabraque de Michel Gondry) em que vai construindo um edifício sonoro feito de camadas de loops, que tira dos mais imprevisíveis instrumentos – um teclado, um acordeão fatelo, um brinquedo da Chicco… No entanto, ver ao vivo esse processo todo, por vezes até nos distrai do que realmente interessa, que são as suas canções, feitas do material de que são feitos os sonhos e convidando-nos à imersão.
À medida que o concerto avança, Noiserv vai-se soltando. Demora-se mais entre as canções, conversando com o público, que reage com boa-disposição e muitas palmas, tenta responder às solicitações de discos pedidos como pode e experimenta umas notas para o que pode vir a ser uma cantiga nova. Apesar da dimensão do São Luiz, completamente cheio, estabelece-se uma dimensão muito humana e informal, como se aquele concerto estivesse a acontecer num qualquer café ou mesmo lá em casa. São assim as canções de Noiserv: familiares e intimistas.
Fotografias de Luís Miguel Andrade (Lart Photography)
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