Em 1974, o francês Philippe Petit, então com 24 anos, entrou para os manuais de História ao caminhar ilegalmente sobre um cabo estendido entre as Torres Gémeas, tendo atravessado por oito vezes as inacabadas torres a mais de 400 metros do solo. Quanto a David Santos, que na música tem vindo a assinar como Noiserv, esperou por 2016 para praticar a sua arte de funâmbulo, numa travessia sem rede – com a duração de 19 minutos e 35 segundos – a que decidiu chamar “00:00:00:00“.
A própria embalagem parece querer transmitir a ideia de recomeço: uma capa plástica que se desdobra quase até ao infinito – e que se volta a dobrar de muitas maneiras possíveis -, palavras impressas que apenas podem ser lidas quando se joga com o espaço e se brinca com a luz. A assinatura, essa, surge de forma tímida no canto inferior direito, anunciando aos mais incautos que se trata de uma rodela do arquitecto que tem construído castelos e palácios com o recurso a tijolos musicais.
Noiserv deixa para trás a roupagem electrónica, atira com o inglês às urtigas e surpreende com um disco feito exclusivamente de piano e cantado em português. Uma transformação total ainda que, por entre estas faixas, se distinga a caixa musical noiserviana que o compositor português tratou de construir com habilidade de carpinteiro.
Sem a rede da replicação ou o artifício da electrónica, há aqui uma porta aberta para um outro lado da criação, onde o talento surge de forma bruta e reveladora. Veremos agora até onde este espírito de funâmbulo irá levar David Santos. O contador está a zeros.
“Abrir a janela vozes a gritar,
Quero acordar alguém
Ter a memória a correr
Atrás de mim, o mundo
Ainda não parou
Olhar para trás sem medo
De morrer, não perder
O que quero lembrar
Deixar cair para onde vais
Coisas simples e reais”
Noiserv, In Vinte e Três
O concerto de apresentação terá lugar a 10 de Novembro no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa.
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