Manchester, Maio de 1980. O vocalista dos Joy Division, Ian Curtis, deprimido, acaba com a sua própria vida. Após o trágico suicídio, os restantes elementos da banda pós-punk decidiam que não queriam continuar a fazer música tão negra e angustiada. Bernard Sumner, o guitarrista que assumiu, relutante, o papel de vocalista, conta na sua biografia que se lembra de estar sentado numa discoteca, às 3 ou 4 da manhã, a pensar por que raio não podiam eles fazer o tipo de música que por lá passava. Foi aí que se deu o clique.
Já com o nome de New Order, aproximaram-se das pistas de dança e tornaram-se numa das bandas mais marcantes da música electrónica. É deles o single mais vendido de sempre no Reino Unido, “Blue Monday“, de 1983. A sua típica mistura de electrónica com rock alternativo gerou incontáveis imitações, e têm uma carreira recheada de sucessos – o seu lugar na história da música está assegurado. Estávamos já há 10 anos à espera de novo disco de originais, desde o fraquito “Waiting for the Siren’s Call”, de 2005. “Music Complete” (Mute, 2015) assinala, finalmente, o regresso da banda de Manchester.
Nestes dez anos, muita coisa mudou: o mítico baixista e membro fundador, Peter Hook, abandonou a formação numa disputa feia com o vocalista/guitarrista Sumner. Os fãs ficaram preocupados – o baixo de Hook era um dos elementos mais importantes do som da banda e não é fácil substituir um dos baixistas mais icónicos de sempre. Em compensação, neste disco está de volta às teclas Gillian Gilbert, que desde 2001 não tocava com os New Order.
E a que soam os New Order em 2015? Curiosamente, estão mais próximos da versão que lhes trouxe a glória nos anos 80 e 90. A banda aliviou a predominância das guitarras, que tinha vindo a pesar no seu som nos últimos discos, e abraçou novamente as sonoridades electro-pop que sempre foram o seu forte. Diz Gilbert que foram encorajados pela reacção dos fãs na recente tournée: a resposta mais positiva nos concertos deu-se com os temas e ritmos mais próximos do house.
“Restless, o primeiro single, continua a assentar na típica linha de baixo “à” Peter Hook, tocada por Tom Chapman, que se safa bem a fazer esquecer o baixista original. É uma música um pouco morna, mas ao fim de algumas audições começa a entranhar-se. Um bom momento pop.
O disco agarra-nos sobretudo nas faixas mais dançáveis (Tom Rowlands dos Chemical Brothers colaborou como produtor, e isso nota-se). É música de dança com boas ideias: destaca-se “Tutti Fruti”, uma espécie de “eurotrash” esgroviado, com um refrão circular abrilhantado pela cantora Elli Jackson, também conhecida como La Roux. Elli também canta em “Plastic” e “People on the High Line”, e fá-lo com grande estilo. São canções competentes e com nervo, que não nos deixam estar quietos.
A banda não tem medo de arriscar, como se pode ver pela inesperada “Stray Dogs”, onde Iggy Pop passeia o seu charme em “Spoken Word”, a carismática voz carregada de gravilha, num jogo improvável com as teclas de Gilbert e a guitarra abrasiva de Sumner. Por alguma razão faz lembrar Walter White, de “Breaking Bad”, num monólogo implacável.
“Academic” e “Nothing but a fool” são faixas mais convencionais, que quebram o ritmo do disco, mas os New Order voltam a carregar no acelerador em “Unlearn this hatred” e “Superheated”, a música que fecha “Music Complete”, com a colaboração de Brandon Flowers, dos The Killers.
Nota positiva também para o design do disco, feito por Peter Saville. O mítico designer gráfico foi um dos mentores da Factory Records, a editora que lançou alguns dos discos mais importantes dos New Order nos anos 80 e 90. O grafismo minimal ajuda a conferir a “Music Complete” uma aura de “clássico”.
Sem ser uma obra-prima, “Music Complete” é de longe o melhor disco dos New Order desde “Technique”, de 1989, com o qual tem sido frequentemente comparado. Apesar de alguns momentos menos inspirados e de algumas faixas demasiado longas, há um espírito de experimentação e de aventura que é de louvar numa banda que viveu há três décadas o seu pico criativo. Um conjunto de canções que, apesar de não acrescentar muito ao legado, também não o desmerece. Reflectindo o passado de uma banda consistente, mostra que, inesperadamente, a receita não perdeu a vitalidade. Ainda há esperança para os New Order.
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