O mundo está muito diferente este ano. Distraídos com máscaras, distanciamentos sociais e mãos lambuzadas com álcool-gel, quase não demos pelo novo projecto de Paul Banks, vocalista dos já históricos Interpol. O cantor juntou-se ao baterista dos The Walkmen, Matt Barrick, e ao produtor e multi-instrumentista Josh Kaufman, dos Bonny Light Horseman, para formar os Muzz.
Banks e Kaufman são compinchas de muito longa data, mas a sugestão de formarem o proverbial “supergrupo” indie foi de Barrick. Bastou uma jam session para se convencerem de que valia a pena ir para estúdio – “Estabelecemos imediatamente uma camaradagem isenta de fricção, os três juntos”, diz Paul.
O ponto de encontro do trio é o disco homónimo “Muzz” ( Matador, 2020) que já está cá fora. Foi gravado sem pressas nem pressões, ao longo dos últimos cinco anos. Talvez por isso a atmosfera geral seja muito tranquila e distendida. Abre com o viciante “Bad Feeling”, tema assombrado, emocional, onde a voz de Paul Banks surge bastante mais vulnerável do que no registo tenso dos Interpol. Destaque para os coros etéreos de Annie Nero e Cassandra Jenkins, bem como para o curioso final com um enxame de saxofones.
Músicas como “Evergreen”, com o seu órgão à Beach House, ou “Everything Like It Used To Be”, que dá uns ares a The National, são verdadeiros tratados de melancolia. Também a cinemática “Red Western Sky” nos lembra Matt Berninger, com o seu intenso dramatismo. Os The National vêm a propósito, porque Josh Kaufman é também um colaborador de longa data da banda dos irmãos Dessner.
Um órgão sideral, um fraseado de guitarra e a voz indolente de Banks são os ingredientes maiores de “Patchouli”, outra ilha de calmaria no alinhamento do disco. Mas também há pontos de aceleração: o ritmo impera em “Knuckleduster”, onde o destaque vai para a bateria vincada, que impele a música para a frente – não é à toa que a bateria de Matt Barrick é um trunfo fortíssimo nos The Walkmen.
É a percussão minimal que eleva “Everything Like It Used To Be”, apoiada pela melodia cativante, que se pega mais a cada audição. Também “How Many Days” é um exemplo de um ritmo curioso, em perfeita sintonia com a vibração da música.
No todo, “Muzz” é um disco cheio de texturas e estados de alma, atmosférico e sereno. São doze temas com arranjos de primeira, bem escritos e arejados, feitos por um trio de músicos que já não tem nada a provar. Veredicto: uma estreia cheia de pinta, que vale bem a pena descobrir.
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