O Misty Fest regressa para a sua 14ª edição no próximo mês de Novembro, à boleia do espírito do 2 em 1 – ou seja, um bilhete vale por dois concertos, um pouco como aconteceu já, a espaços, na esmerada edição de 2022. De Alan Sparhawk (uma das caras-metades dos Low) a Nadine Khouri (“empurrada” a cantar por John Parish), são já muitos os nomes anunciados. Ficam as devidas apresentações.
Tó Trips + Rodrigo Leão
Tó Trips é, muito simplesmente, um nome incontornável da múltipla cena musical nacional das últimas três ou talvez até quatro décadas. Foi praticante do lado mais feérico do rock nos Lulu Blind e reinventou-se num dos mais originais projetos da música popular portuguesa, os Dead Combo, que dividiu com o saudoso Pedro Gonçalves e com que correu o mundo
Mais recentemente criou o Club Makumba, mas também soube dispensar companhias para se projectar, em dois discos de solo absoluto, na solidão que se descobre quando ao lado se tem apenas uma guitarra. Mas este espectáculo apanhou-o de um outro ângulo: com António Quintino no contrabaixo e Helena Espvall no violoncelo. Um trio de cordas formado com dois nomes que têm percorrido diferentes terrenos do mais aventureiro jazz e música improvisada que ladeiam Tó Trips na sua busca por uma música altamente evocativa, com espessura dramática, bastante poética e francamente apaixonante. “Popular Jaguar” é o novo disco onde todo esse mundo se revela. Em palco, a magia resulta ainda mais intensa.
Rodrigo Leão é o primeiro a dizer que não é pianista, mas a verdade é que o piano tem surgido na sua obra como um complemento dos sintetizadores que já usou bastas vezes para escrever memoráveis melodias e pensar nos envolventes arranjos a que foi dando corpo com os ensembles que criou.
Agora, o notável compositor português prepara-se para nova aventura: Piano Para Piano é um projeto que nasceu depois de uma encomenda do Festival de Piano em Vila Nova de Cerveira, desafio que o levou a compor duas novas peças que são também o princípio de um novo caminho.
“Acho interessante”, revela Rodrigo, “que eu que não tenho qualquer formação como pianista possa estabelecer um diálogo com quem estudou e estuda seriamente o instrumento”. Nesse primeiro momento no evento minhoto a sua interlocutora foi Rosa, sua filha, que conta 19 anos e será também ela que irá acompanhar o pai agora neste espectáculo. Vai ser interessante escutar estas peças como as ouço na minha imaginação. A imaginação não tem os mesmos limites que as minhas mãos”, explica Rodrigo. “Pode ir tão longe quanto a criatividade ditar”.
Piano Para Piano é por isso mesmo uma viagem ao maravilhoso desconhecido com assinatura de um dos mais celebrados compositores portugueses.
Alan Sparhawk + Lambchop
Alan Sparhawk (Low) integra o cartaz da edição 2023 do Misty Fest. Depois do desaparecimento de Mimi Parker, vítima de doença, em Novembro de 2022, o músico americano regressa à estrada com a sua singular visão musical inalterada.
O guitarrista e cantor já no passado tinha lançado um álbum de guitarra solo e no seu vasto currículo registam-se também colaborações com variadíssimos artistas, prova, por um lado, da sua versatilidade e, por outro, do respeito que sempre recebeu por parte dos seus pares. E Alan Sparhawk assinou essas participações em discos de gente tão diversa quanto Ben Watt (Everything But The Girl) ou os Swans, para dar apenas um par de exemplos. Agora, em 2023, o artista de Duluth, no Minnesota, apresenta em Portugal um novo capítulo na sua vida e carreira, mantendo a mesma mística que sempre diferenciou a sua banda que mereceu durante toda a sua existência os mais rasgados elogios por parte da crítica especializada.
Kurt Wagner, dos Lambchop, vai embarcar numa digressão europeia de espectáculos intimistas de piano, acompanhado pelo músico e produtor Andrew Broder, de Minneapolis. Broder trabalhou com Wagner nos aclamados álbuns de Lambchop, “The Bible” e “Showtunes”. Esta colaboração rara e especial promete ser uma montra dos seus talentos, reduzindo as canções clássicas dos Lambchop à sua essência e realçando o seu poder emocional.
Francisco Sassetti + Wim Mertens
O compositor e pianista Francisco Sassetti apresenta o seu álbum de estreia em nome próprio com composições de sua autoria. Este trabalho a solo marca uma nova etapa na sua vida, da qual a ligação ao piano já faz parte há 30 anos, mostrando-o também como compositor, abrindo as portas para um lado mais íntimo e secreto da sua personalidade.
“Na realidade”, conta o músico, “a maioria dos temas já tem cerca de 10 anos. Depois da morte do meu irmão, em 2012, comecei a compor compulsivamente, quase como se quisesse continuar a obra dele, tão tragicamente deixada a meio. Era uma forma de lamento e, também, um espaço de paz e silêncio. Por outro lado, o exigente trabalho como concertista e professor (na Escola Superior de Música de Lisboa e na Orquestra Metropolitana entre outras instituições) não me deixava muito tempo para terminar as composições, o que, entretanto, consegui”, revela Francisco.
De facto, não foi só no seu íntimo que o desaparecimento do seu irmão Bernardo Sassetti deixou um enorme vazio. Esse sentimento de perda ajuda a explicar o lado contemplativo e cinemático das suas peças, muito líricas, que se desenvolvem numa trama que soa quase mágica e que é indubitavelmente plena de emoção. Temas como “Dawn”, “Home” ou “Goodbye” deixam transparecer o peso emocional que se enreda nas melodias que nos tocam no lado mais fundo. Triste, mas nunca sombria, introspetiva e nostálgica, esta música também vibra com vida e paixão e afirma o nome de Francisco Sassetti no entusiasmante panorama da cena neo-clássica.
Wim Mertens é uma das mais emblemáticas figuras da mais avançada música contemporânea, um artista com uma obra de referência que se espalha por 4 décadas de intensa criatividade, um compositor que possui uma tão vasta quanto rica discografia, recheada de prémios, aplausos e distinções várias.
Mertens começou a criar música em 1980, depois de trabalhar como musicólogo e produtor de rádio. “For Amusement Only”, o seu primeiro lançamento, é uma gravação de música electrónica que utilizava exclusivamente o som das máquinas de pinball.
Nestes 40 anos, Mertens desenvolveu uma linguagem musical variada, escrevendo para diferentes conjuntos instrumentais, composições vocais e até peças sinfónicas. Hoje, o seu catálogo de gravações conta com mais de 70 álbuns.
Salomão Soares + Anna Setton
Nascido e criado em Cruz do Espírito Santo, interior do Paraíba e actualmente a morar em São Paulo, também no Brasil, Salomão Soares é pianista virtuoso, arranjador e compositor. Destacou-se como uma das grandes revelações da nova geração de instrumentistas brasileiros, dividindo palco com nomes marcantes da música brasileira como Hermeto Pascoal, Toninho Horta, Hamilton de Holanda, Leny Andrade, Filó Machado, Renato Braz, Mônica Salmasso, Itiberê Zwarg, Arismar do Espírito Santo, Toninho Ferragutti (com quem gravou um disco em duo), entre tantos outros.
Venceu o Prémio Mimo Instrumental 2017, foi finalista do Piano Competition no Festival Montreaux 2017, Suíça, e vencedor do Prémio Novos Talentos do Festival Savassi 2018, em Belo Horizonte. Participou em diversos festivais e tournées pelo mundo, como recentemente em Espanha e Portugal, ao lado da cantora Vanessa Moreno, ou no Uruguai e Brasil, como, por exemplo, no SESC Jazz, um dos mais conhecidos festivais de jazz da América Latina, com o seu trio e também como convidado especial de Hermeto Pascoal.
No Misty Fest, o pianista, compositor e arranjador apresenta ao vivo o seu primeiro álbum a solo – “Interior”. Com homenagens, referências e influências importantes na sua formação como ser humano e como músico, Salomão encarou este trabalho como um autêntico desafio. “Esse trabalho é como uma conversa com o meu interior, uma busca e também uma visita em toda minha história musical”, conta o músico paraibano. E completa, “Penso que o solo para o pianista é o que há de mais puro e singelo, é como subir completamente nu para tocar, sem interferências externas, então sempre será desafiador e novo.”
Editado em março deste ano pela editora alemã Galileo Music, “O Futuro É Mais Bonito” tem vindo a conquistar a crítica, recebendo grande atenção internacional, com destaques e entrevistas em vários meios, assim como honra de capa de várias revistas.
Este novo trabalho de Anna Setton foi gravado no Recife com os préstimos de vários nomes de prestígio, casos do produtor e compositor Barro e Guilherme de Assis, ou ainda de João Camarero, Ed Sataudinger, Juliano Holanda, Igor de Carvalho, Edu Sanginardi e Rodrigo Campello. Com a ajuda desses profissionais que entendem como inovar os moldes clássicos da MPB, Anna canta palavras da sua própria autoria, firmando-se cada vez mais como autora.
Anna Setton é uma artista, cantautora e instrumentista de S.Paulo formada no lado mais interessante da MPB: moldou a voz a cantar nos clubes de São Paulo, correu mundo a acompanhar o enorme Toquinho, colaborou com Omara Portuondo, Sadao Watanabe, Mestrinho, entre muitos outros músicos da atualidade. Percurso que lhe deu o balanço certo para se estrear em disco em nome próprio em 2018, com um homónimo registo que lhe sublinhou o óbvio talento. A pandemia inspirou-a a pegar no violão e a fazer lives semanais onde ia entregando a sua voz a grandes tesouros da canção popular brasileira. Tal disciplina levou-a a fazer “Onde Mora meu Coração”, álbum de certeiras versões onde se inclui, por exemplo, a belíssima “Morena Bonita”, de Toninho Horta.
John Grant + Nadine Khouri
John Grant é, justamente, um dos mais celebrados e consagrados cantautores do nosso tempo, um artista que o histórico NME afiança ter no seu último trabalho criado uma obra “de assombrosa beleza”. De facto, “Boy From Michigan”, um disco produzido por Cate Le Bon e criado “logo no início do pesadelo da pandemia e durante toda a campanha presidencial”, diz, é um registo extraordinário de um artista que cuida de se reinventar a cada novo passo. E será esse o trabalho que agora trará a Portugal para um muito aguardado concerto. Para Grant, o confinamento foi em grande parte académico. É um homem de natureza insular e retirou-se da sua América natal em 2011, indo viver para a Islândia.
Grant conheceu Le Bon quando actuaram no Park Stage, em Glastonbury, em 2013, e rapidamente se tornaram amigos e fãs do trabalho um do outro. Posteriormente, ela fez um dueto com Grant no Royal Albert Hall em 2016 e John retribuiu o favor no Green Man em 2018. Falaram muitas vezes sobre a possibilidade de Cate produzir um álbum para ele. “A Cate e eu somos ambos pessoas com muita força de vontade, o que é excelente”, diz Grant. “Fazer um disco é difícil num dia bom. O stress crescente das eleições e da pandemia começou realmente a afectar-nos no final de Julho e Agosto. Por vezes, foi um processo muito stressante, dadas as circunstâncias, mas também cheio de muitos momentos incríveis e alegres”.
Na última década, John Grant afirmou-se como um dos grandes cronistas musicais do Sonho Americano. “Estas canções são viscerais para mim. Acabamos por ficar a marinar no espírito do sítio onde crescemos. Há pessoas que se sentem bem com isso”. E a recompensa é nossa que podemos dessa forma, através das suas canções, entender um pouco melhor a vida e a cultura contemporânea. E não apenas através de uma perspectiva americana já que o amor, a esperança, a perda são preocupações universais para que qualquer pessoa procura respostas. “Boy From Michigan” é já o quinto álbum na bem recheada carreira a solo do ex-The Czars, mas desde 2020 o cantautor não tem estado parado. Lançou novos singles, o mais recente dos quais o belo “Bungalow”, o Ep “Bolero” e, claro, a fantástica versão do clássico folk “God’s Gonna Cut You Down”, usado como tema do genérico da série da BBC “Inside Man”.
A artista anglo-libanesa Nadine Khouri (na foto de destaque) conheceu John Parish (PJ Harvey, Eels, Sparklehorse…) há cerca de 10 anos, altura em que o produtor britânico a desafiou a cantar em “Baby’s Coming” (faixa de “Screenplay”, de 2013) antes de gravar e produzir o seu primeiro álbum, “The Salted Air” (2017), trabalho que, entretanto, granjeou justo culto.
A gravação do seu segundo longa-duração, “Another Life”, igualmente produzido por John Parish), aconteceu durante a pandemia de Covid-19 e foi naturalmente marcada pelas descargas emocionais provocadas pelas duas poderosas explosões no porto de Beirute no início de Agosto de 2020. “A pandemia instalou-se precisamente quando os ensaios estavam prestes a começar, quando queríamos uma gravação rápida destas novas canções. De repente, o mundo congelou, nada podia continuar como planeado”, recorda Nadine.
No interior da capa do álbum, uma fotografia tirada por Steve Gullick revela, por detrás de Nadine Khouri, a extensão de uma cidade mediterrânica branqueada pelo sol, Marselha, onde a artista actualmente reside. Uma cidade de milhares de vidas, milhares de memórias e milhares de histórias, um teatro onde ressoa o percurso de Nadine, a alegria, a tristeza, o arrependimento, o exílio, o desafio ou o desejo – marcas que alimentam a sua música. “As canções surgem-me muitas vezes como imagens de filmes que tento exteriorizar”, explica. “Presa entre quatro paredes, este período de isolamento levou-me a olhar para o meu passado, a recordar pessoas próximas que desapareceram, momentos passados que estão agora longe de mim. Escrevi para não esquecer, para não deixar desaparecer”.
Com as restrições levantadas, Nadine Khouri e John Parish encontraram-se em estúdio para finalmente gravar o álbum como planeado originalmente, com a ajuda de vários músicos de renome. Deste período de incerteza emergem composições de uma beleza cativante. A produção de John Parish dá um fôlego majestoso a estas canções impressionistas, e à voz de Nadine Khouri. Ao vivo, essa presença singular e qualidade artística distinta tornam-se ainda mais evidentes, tal como tem vindo a ser destacado em críticas elogiosas de publicações de referência como a Mojo ou a Uncut.
Matthew Halsall + Makaya MacCraven
Matthew Halsall, homem do leme da Gondwana Records, prepara-se para regressar ao nosso país com um novo projecto. O aclamado trompetista, de quem se diz ter conseguido a proeza de cruzar os universos de Pharoah Sanders e Cinematic Orchestra, prossegue na sua demanda pelos terrenos mais espirituais do jazz com “An Ever Changing View” que é já o décimo título na sua discografia em nome pessoal.
Ao vivo, Matthew apresenta-se à frente de um reputado ensemble de músicos baseados em Manchester, como Matt Cliffe (saxofone & flauta), Alice Roberts (harpa), Jasper Green (piano), Gavin Barras (baixo), Alan Taylor (bateria) e Sam Bell percussão. O igualmente renomado Chip Wickham é o saxofonista e flautista convidado deste expansivo ensemble.
No novo concerto, além de refinado material do seu novo álbum, Matthew Halsall viaja pela sua já considerável discografia, explorando o jazz a partir de uma moderna sensibilidade, nunca esquecendo que o espírito e o corpo estão sempre ligados.
O produtor e baterista Makaya MacCraven tem lançado aplaudida discografia em nome próprio através da conceituada International Anthem, mas tem igualmente respondido a chamadas de outras importantes editoras de ambos os lados do Atlântico. O músico que, em 2018, respondeu à pergunta “Where We Come From” com um álbum com o mesmo título e a designação paralela “Chicago Vs. London Mixtape”, trabalhou logo aí com conceituados solistas como Kamaal Williams ou Nubya Garcia. No mesmo ano, “Universal Beings” confirmou-lhe o vigor de toda a sua visão musical, prosseguindo a sua via de cruzamento do jazz com o hip hop e outras linguagens.
Em 2020, a londrina XL Recordings desafiou-o a remisturar e reimaginar o derradeiro álbum de Gil Scott Heron com o resultado, “We’Re New Again”, a conquistar generalizado aplauso da imprensa. Seguiu-se, na sua já vasta discografia, o desafio da histórica editora de Nova Iorque Blue Note para decifrar a mensagem retrabalhando uma série de clássicos do seu mítico catálogo, de Wayne Shorter a Art Blakey. E, para isso, convidou novos valores do jazz como Jeff Parker, Matt Gold ou Junius Paul. Participou também em “The Chicago Experiment”, ao lado de gigantes modernos como Marquis Hill ou Joel Ross e, já em 2022, lançou o seu projecto mais ambicioso e também mais aclamado, “In These Times”, um dos registos do ano em muitas publicações especializadas em jazz. Agora, o visionário músico estreia-se em Portugal, mostrando que o presente e o futuro são mesmo o seu tempo, com o que será, certamente, um dos mais aguardados concertos do ano.
Promotora: Uguru
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