Era, de entre todo o cartaz da edição deste ano do Misty Fest, o único concerto generosamente prendado com dois pratos principais, numa mistura entre o clássico e o contemporâneo: a abrir, Joep Beving, autor do recente “Hermetism”, onde na solidão do piano se inspirou numa filosofia espiritual atribuída ao grego Hermes Trismegistus; a fechar, Christian Löffler, autor de “Parallels: Shellac Reworks”, disco onde reinterpretou, com muita maquinaria, extrema inventividade e convidando a um estiloso abanar de anca, algumas peças dos maiores compositores clássicos, entre os quais Bach, Bethoven, Smetana e Chopin.
O concerto de Joep Beving – “Jup” para os amigos, como disse mais à frente – foi qualquer coisa como a história de uma abdução em três actos, muito graças a um esmerado jogo de luzes que nos pôs a imaginar um encontro imediato de terceiro grau. Primeiro, um solitário mas intenso foco de luz transportou Joep, um barbudo e cabeludo neerlandês de dois metros, para o interior de uma nave espacial; pelo meio, já com seis focos de luz adicionais que iam mudando de cor consoante o clima das canções, Joep dialogou com o seu piano, no qual se podia ver o bater do coração e o pulsar das veias, com esses seres de outra dimensão, substituindo os dois LP`s de ouro enviados para o espaço para serem encontrados por outras espécies inteligentes – com tudo aquilo que nos torna humanos, incluindo a gravação das ondas cerebrais de Ann Druyan, directora criativa do Voyager Interstellar Message Project, da NASA; o terceiro e final acto correspondeu ao agradecimento alienígena que, antes de devolver Joep à terra, iluminou todo o interior da nave, revestido com flores que cresciam sem precisar de uma pinga de água.
Pelo meio, a solenidade foi intercalada com o humor de Joep Beving, satisfeito por um regresso a Portugal (agora numa sala maior). “Vai ser um concerto curto, com canções que compus nos últimos nove anos. Vai ser tranquilo, e isso. Se tiverem se ir à casa de banho, desculpem mas não vai acontecer. Não vai ser divertido. Mas divirtam-se”. Pediu ainda o refrear de aplausos, por se tratarem de peças curtas e de querer aproveitar ao máximo o pouco tempo disponível. “A dica é aplaudirem quando me virar”.
Ao longo do concerto, o pianista neerlandês falou de vários temas e momentos da sua carreira, como os tempos de confinamento, nos quais gravou um tema para “Solitude”, pequeno filme de Supreet Kaur Cheetah, uma realizadora indiana que escreveu uma história sobre os objectos de sua casa durante um confinamento – o seu – mais rigoroso. “Se puserem o foco no lugar certo, coisas boas vão acontecer”, disse sobre esta parceria à distância entre duas pessoas que nunca se conheceram ou falaram em pessoa. Ou, ainda, apresentando “For Mark”, canção que compôs para o amigo e manager durante uma operação a um cancro – “Não está curado, procura ainda formas de prolongar a vida”, disse, convidando a que no final pudessem oferecer a Mark um sorriso ou uma história. O concerto terminou com a irrequieta “Hanging D”, momento perfeito para este diálogo entre seres de diferentes dimensões.
A noite fechou com Christian Löffler e um quarteto de cordas intitulado Detect Ensemble Live, que recriaram o ambiente clássico-festivo de “Parallels: Shellac Reworks”. A julgar pelos espaçados abandonos, alguns não terão sabido ao que iam, ou então apostaram as fichas todas em Joep Beving. Para os que ficaram, Löffler guardou momentos que pareciam recriar o espírito das Binaural Beats, ondas sonoras capazes de alterar o estado de consciência sem ser preciso recorrer a dealers. Uma oportunidade de ver, ao vivo, o cruzamento entre a composição electrónica e as cordas de instrumentos clássicos, num concerto com uma qualidade sonora primorosa onde houve tempo para um mini set de Löffler que terminou, já com o CCB em modo Lux Frágil, com a muito dançável “Haul”, do álbum “Mare”. Mais do que um lugar, a pista de dança é definitivamente um estado de espírito.
MISTY FEST 2023 | DATAS
EDU LOBO E MÔNICA SALMASO
19 Novembro | Theatro Circo, Braga
20 Novembro | Auditório de Espinho – Academia
21 Novembro | Casa da Música, Porto
22 Novembro | CCB, Lisboa
LISA GERRARD & JULES MAXWELL
19 Novembro | Auditório de Espinho – Academia
21 Novembro | CCB, Lisboa
23 Novembro | Casa da Música, Porto
25 Novembro | Teatro Municipal – Guarda
27 Novembro | Centro de Artes e Espectáculos – Figueira da Foz
29 Novembro | Theatro Circo, Braga
30 Novembro | Centro de Artes do Espectáculo – Portalegre
ROGER ENO
23 Novembro | Museu do Oriente – Lisboa
24 Novembro | Auditório de Espinho – Academia
JOANA SERRAT
27 Novembro | Museu do Oriente – Lisboa
28 Novembro | Casa da Música, Porto
TIGRAN HAMASYAN
5 Dezembro | Casa da Música, Porto
6 Dezembro | CCB, Lisboa
Promotora: Uguru
Fotos Joep Beving: Rahi Rezvani
Nota: A foto de Christian Löffler é de arquivo, não do concerto do CCB.
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