Costuma dizer-se que as segundas oportunidades são raras mas, se olharmos para Mark Eitzel, dir-se-ia que pelos dias de hoje se passeia pelo mundo como um repetente sem remorsos, e isto muito graças a um senhor chamado Bernard Butler – sim, aquele guitarrista/deus que fez parte dos Suede, a banda em estado pop e de olhos pintados mais glamorosa da história.
Depois de uma carreira nos American Music Club – aquela banda para além do fixe de que quase ninguém ouviu falar – e de uma aventura a solo que resultou num par de rodelas assinalável, Eitzel lançou este ano “Hey Mr. Ferryman”, uma nova colecção de canções gravadas em Inglaterra pelo enorme Butler que, para além de ter produzido o disco, ainda arranjou tempo e rasgo criativo para tocar guitarra, baixo e teclados. E que deu uma nova oportunidade para que estas canções, habitadas por almas perdidas e quase sempre enfrascadas, possam sair de um anonimato digno de uma rádio pirata.
Envergando uma fatiota que poderia ter sido sacada a um baú de um tio-avô com uma casa de campo na Escócia, Eitzel arrancou o concerto da ZDB (sim, foi já na longínqua data estelar de 29 de Outubro deste ano) à patrão, com uma malha dos American Music Club – talvez tenha sido “What Holds The World Together” – que pôs toda a gente em sentido, pensando: como raio soa isto ainda melhor ao vivo que em disco?
A verdade é que Eitzel leva muito a sério essa coisa de escrever canções, arte que as boas e más línguas dizem revelar-se na companhia do quase sempre compreensivo Baco. Seriedade que, ao vivo, é diluída com uma boa dose de sarcasmo, muito vernáculo e uma capacidade de fabulação digna de um La Fontaine, trocando a animália por gente a sério. Tal como em “Nothing and Everything”, onde fez um interlúdio meio a brincar antes de arrancar para uma inspirada versão de “Nothing and Everything”, onde cabe todo um mundo de violência doméstica feito de sonhos desfeitos e uma vida passada numa jaula entre correntes.
Nesta noite a “vítima” foi Billy Joel, alguém que, segundo Eitzel, já serviu de irmão gémeo para a comparação alheia, tendo apontado para tal razões como o amor à pizza ou o forro da conta bancária. Uma comparação que foi servindo de muleta descompressora durante quase todo o concerto, dado que Eitzel, nesta brincadeira não inocente – disse ter visto Billy Joel em situações muito comprometedoras numa coisa chamada dark web-, ia fazendo de Joel uma espécie de alter-ego, explicando de onde tinham vindo certos temas da sua discografia a solo ou com os American Music Club, num alinhamento imaculado servido com muita e boa conversa.
A acompanhar Mark Eitzel Estiveram Stephen Hiscock (bateria), Gareth Huw Davies (baixo) e Patrick Nicholson (piano), visivelmente entusiasmados por fazerem parte deste circo da instabilidade montado por Mark Eitzel. Noite grande na ZDB.
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