A 30 de Março de 1998, os Pulp faziam contas à vida, perdiam a cabeça num balcão da Segurança Social, apostavam às escuras num plano poupança reforma e antecipavam, de lágrima no olho, a inevitável velhice, num lamento intitulado “This is Hardcore”.
Quanto aos Low, banda norte-americana formada cinco anos antes desse cheque-reforma ter chegado às lojas, decidiram tocar o “hard” pelo “slow”, ajudando a fundar um género que, nas enciclopédias musicais, aparece definido como slowcore, território onde se encontram letras a dar para a depressão, melancolia a rodos e arranjos com tendências minimalistas.
Chegados a 2018, a banda liderada pelo casal Alan Sparhawk (guitarra e voz) e Mimi Parker (bateria e voz) edita “Double Negative”, o seu 12º longa-duração: um disco zangado, agitador e algo dissonante em relação ao seu imenso legado, com espaço reduzido para a melodia. Um disco que serviu de mote ao concerto da banda no Lisboa ao Vivo na noite de 29 de Setembro mas que, para gáudio dos muitos incondicionais que por lá apareceram, esteve longe de ser o cartão-de-visita.
De facto, seria difícil pensar num alinhamento mais feliz do que aquele que a banda apresentou, revisitando sobretudo o seu lado mais belo e orquestral – mesmo temas novos ganharam novos arranjos -, num concerto onde até a gramática esteve em grande: com Mimi no papel imutável de silenciosa princesa do gelo, coube a Alan o papel de anfitrião, referindo-se ao público como sombras bonitas, fazendo notar que há um Dexter adormecido em cada um de nós e agradecendo, de forma comovida, o facto de ao longo desta dúzia de anos o lhe terem dado de alimento – bem como aos seus filhos. Quanto ao encore, foi servido em dose única com “Murderer”. Afinal, e como disse Alan em jeito de brincadeira, estar muito tempo de pé faz doer os pés e as costas, e ninguém ali naquela sala estaria propriamente a ficar mais novo – excepção feita, talvez, à fotógrafa do Deus Me Livro.
Num festim que se estendeu para lá de uma partida de futebol, não faltaram motivos para fazer a festa do luto: “Always Up” é puro momento folk, mesmo sem a ausência de cordas não electrificadas; “Do You Know How To Waltz?” são os Low a brincar com o Floydiano Dark Side of The Moon, enquanto assistem no grande ecrã aos Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg; “Lazy” chega de mansinho, oferecendo uma consulta de hipnose grátis; “Poor Sucker” podia bem ser a banda-sonora de um conto dos Irmãos Grimm levado ao mundo das curtas-metragens; “Rome (Always In The Dark)” é o mais perto que os Low terão estado de se perder no heavy metal; “Holy Ghost” soa a recriação do clássico “You Are So Beautiful”, de Joe Cocker; quanto ao muito gingão “What Part of Me”, assentaria que nem uma luva no próximo Pitch Perfect.
Tudo com Mimi Rogers no comando da percussão fúnebre, Alan entregue a dedilhados cozinhados entre o mel e o fel e Steve Garrington dedicado a um baixo sempre no ponto, numa caminhada entregue à parceria vocal deste casal que, não sendo mistério, tem tornado a existência humana bem menos sofrível.
Fotos: Madalena Pintão
Promotora: Everything is New
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