A reputação de Kurt Vile como artista descontraído, tranquilo e sempre zen, pode levar a que não lhe demos a devida importância. Mas o guitarrista de Filadélfia é, hoje em dia, um caso sério no panorama musical: na última década editou sete álbuns – cada um deles um festival de auto-ironia existencial, movido a trocadilhos e dedilhados de guitarra. Com o tempo, Vile tornou-se um dos mais distintos gurus actuais das guitarras indie-rock.
No ano passado, o cantor juntou-se à australiana Courtney Barnett para gravar o simpático “Lotta Sea Lice”, um disco super-pacífico, feito de canções que parecem fatias de amena cavaqueira gravadas por acidente.
Chega-nos agora aos ouvidos o novo álbum de originais em nome próprio, chamado “Bottle it In” (Matador Records, 2018). É um disco rico e variado, uma paisagem mental que nos convida a assentar arraiais por ali. Tal como na antiga banda de Vile, os War On Drugs, a receita base é a mesma de sempre: uma mistura lo-fi de folk e indie-rock, com toques de psicadelismo e de americana, que o cantor molda para formar um som muito particular.
O reconhecido sentido de humor de Kurt Vile surge logo em “Loading Zones”, o primeiro avanço. É um tributo à sua Filadélfia natal, onde Vile se passeia estacionando nas cargas e descargas, esquivando-se às multas. A voz nasalada de Kurt é central, partilhando o protagonismo com uma secção rítmica musculada e um pedal wah wah que é um achado.
“One Trick Ponies” capitaliza a imagem de loser de Kurt Vile, numa ode cativante aos inadaptados deste mundo. É o equivalente sonoro a um passeio à beira-mar, num descapotável, com o sol a aquecer-nos os sentidos e a vida a correr-nos bem.
Mas onde o álbum brilha é nas canções mais longas e serpenteantes, como “Bottle It In” e “Bassackwards”, nas quais Vile se perde em pensamentos e divagações – são temas luminosos, quentes, que se desenrolam com vagar, monólogos quase falados onde parece reinar a espontaneidade da escrita automática.
Não há dúvida que são as guitarras que assumem o comando deste disco, mas o som surge enriquecido com sintetizadores subtis, batidas de caixa de ritmos, banjos e coros – suplementos que acrescentam matizes às composições. Reinam derivas instrumentais, em canções que parecem derreter-se lentamente. O álbum encerra as portas com “(Bottle Back)”, um instrumental que joga com blips e blops de ficção científica, até ao fade out final.
“Bottle It In” é um álbum longo, em que as canções tendem a prolongar-se uns minutos mais do que o habitual, mas é compensador: vale a pena investir uma hora e dezoito minutos para o consumir.
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