O Musicbox está de parabéns: o animado clube do Cais do Sodré sopra 10 velinhas este ano. 10 anos que fizeram da casa uma referência no panorama da música urbana, muito pela sua postura militante e programação variada. Em vez de festejarem a efeméride com um concerto especial, decidiram antes fazer dez, distribuídos ao longo do ano. Este sábado realizou-se a primeira festa, com um convidado de prestígio: o produtor e cantor sueco Jay-Jay Johanson.
Foi em 1996 que Jay-Jay, jovem nórdico fascinado com o chamado trip-hop de Bristol – particularmente com os Portishead –, aterrou suavemente nos nossos ouvidos pela primeira vez. O inebriante álbum que colocou o sueco no mapa dos melómanos chamava-se “Whiskey”, álbum que marcou o início de uma viagem que culmina agora em “Opium”, o seu 10º álbum de originais, que Johanson trouxe na bagagem para mostrar aos fãs portugueses.
Passados 20 anos, este anti-herói romântico ainda mantém a elegância e a delicadeza na sua música. Mistura de batidas soturnas, sonoridades jazzy e uma voz suave, o novo disco tanto invoca o jazz clássico de Chet Baker, como o ambiente electrónico, negro e sugestivo dos Goldfrapp. Havia, portanto, alguma expectativa no ar junto à arcada mais conhecida da noite lisboeta.
A noite começou com a actuação dos portugueses Lavoisier, um duo que reinterpreta música tradicional portuguesa com uma abordagem muito própria. A vocalista Patrícia Relvas, muito expressiva, canta com o corpo todo, e os seus gestos teatrais agitaram a névoa que pairava no palco. O guitarrista Roberto Afonso, por seu lado, ia criando envolventes malhas de guitarra eléctrica. Foi deles o primeiro ponto alto da noite, com uma versão magnífica de “Senhora do Almurtão”, que arrebatou o público.
Pouco passava da meia-noite quando a inconfundível voz de crooner de Jay-Jay Johanson ecoou nas paredes de pedra do Musicbox, sobre as batidas trip-hop de I Love Him So, do último álbum “Opium”. A reacção do público aos baixos profundos foi imediata.
Esta faixa nasce da circunstância de o filho de Jay-Jay ter sido operado quando tinha apenas um ano de idade. Enquanto o filho estava deitado na mesa de operações, na sala de espera Jay-Jay escrevinhava furiosamente no bloco de notas as bases para esta canção. Johanson afirma que todas as suas composições partem de acontecimentos da sua vida – a sua maior fonte de inspiração é o seu diário.
No decorrer do concerto fomos revisitando os seus 10 álbuns, passando por temas marcantes como It Hurts Me So, Dilemma, Escape, Tomorrow, não esquecendo as músicas mais recentes como a contagiante NDE, que tem algo de tropicalismo. Em conjunto com a melancolia própria do seu som, há uma vibrante vitalidade que se mantém nos arranjos e composições deste veterano, bem como um subtexto de negrume que não deixa que as músicas se tornem demasiado açucaradas.
Agarrado ao suporte do microfone com uns longos dedos brancos, banhado por uma luz azul, Johanson faz lembrar um vampiro envelhecido. Mas um vampiro simpático, que termina todas as músicas com um sonoro “Thank You” e um sorriso discreto. Atrás dos músicos, um ecrã vai passando longos planos fixos de rostos, filmados a preto e branco, que parecem vindos dos anos 60, o que contribui para a estética vintage da sonoridade.
A acompanhar Jay-Jay esteve apenas o teclista e “homem das máquinas“ Erik Jansson. Para deixar brilhar Jansson, o cantor esconde-se muitas vezes na sombra enquanto beberica um copo de whisky. Foi assim em I Don’t Know Much About Loving e em I Fantasize of You, ambas com fantásticos solos do teclista.
Completamente a abarrotar, o Musicbox correspondeu sempre ao cantor. Uma sala heterogénea, com rostos jovens misturados com os de fãs de longa data (havia quem pedisse a música So Tell The Girls…, de 1996), oscilava com os ritmos febris e percussões peculiares da música.
Rocks in Pockets, do álbum de 2007 “The Long Term Phisical Effects…”, foi um dos momentos altos do espectáculo: uma performance intensa que culminou com Jay-Jay nas teclas com Erik Jansson, num dueto frenético. Também Far Away bateu forte, com o timbre vocal particular de Johanson ressoando nos arcos do Musicbox e nos ouvidos atentos da assistência.
Na recta final do concerto houve a visita a I’m Older Now, do álbum “Whiskey”, de 96, que começou com Jay-Jay a cantar à capella, enquanto o público ouvia com um silêncio respeitoso. No final da música o cantor retribuiu a gentileza: “Thank you. And thanks for the last 20 years”. Nós é que agradecemos, Mr. Johanson.
Para o encore ficou a delicada On The Other Side, do álbum de 2011 “Spellbound”, a voz suave de Jay-Jay fazendo subir a temperatura emotiva da sala. É uma música que nasceu em Portugal, escrita durante um soundcheck de um concerto no nosso país, e talvez por isso tenha sido escolhida para concluir a actuação. Assim se fecharam as portas do muito recomendável hotel assombrado de Jay-Jay Johansson.
Foto de Luís Miguel Andrade. Galeria de fotos aqui.
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