O Baxter Dury, a Nico de braço dado com os Velvet Underground e os Sonic Youth entram num bar e… Poderia ser o início de uma anedota sobre os Dry Cleaning, mas a verdade é que o disco de estreia deste quarteto do sul de Londres está longe de ser motivo para risota – ainda que, as personagens atrás referidas, façam parte da atmosfera de um disco que coloca o post punk a disputar a Liga dos Campeões.
A banda é formada por Nick Buxton (bateria), Lewis Maynard (baixo) e Tom Dowse (guitarra), mas é à volta de Florence Shaw (vocais) que gira este carrossel sonoro que tem tanto de musical como de literário, sacando gemas abstractas e poéticas a partir de coisas triviais, fantasias sexuais e muita, muita ironia. Pelo caminho, vamos descobrindo linhas enigmáticas como “Someone pissed on my leg in the big Sainsbury’s/ If you’re an Aries/ Then I’m an Aries” ou, ainda, “I’ve come to learn how to mingle/I’ve come to learn how to dance/I’ve come to join a knitting circle“.
Florence Shaw, apresentada como uma “artista visual, pesquisadora fotográfica e conferencista sobre desenho”, aceitou com alguma relutância o convite para ser tornar na vocalista dos Dry Cleaning. Afinal, a sua voz está longe de ter um alcance vocal que lhe permita o triplo salto, ou o dramatismo emocional que lhe daria um passe VIP para transpor as portas de um teatro da Brodway – ou até de uma zona menos chique. A verdade é que desempenhou o papel na perfeição, transformando um monólogo que tinha tudo para ser entediante num recital de bem cantar histórias. Não será difícil imaginar Xerazade com uma voz destas, mesmo a falar sobre um frasco gigante de maionese arrumado num sítio escondido do frigorífico ou de um dentista que parece não saber cuidar do seu jardim.
Há, neste “New Long Leg”, uma intensidade poética que cativa, acompanhada por ritmos hipnóticos, palavras sinuosas, alguma melancolia e uma empolgante relação amantizada entre a guitarra e o baixo. E silêncio, longe de ser embaraçoso. Um disco que contou com uma mãozinha extra de John Parish, que tratou de gravar esta dezena de temas entre confinamentos, emprestando-lhe a mesma sensibilidade que temos visto nos discos da sua PJ Harvey – ainda que os fundos musicais sejam bem distintos. Complexo e original, liricamente enigmático (e por vezes absurdo) e a piscar o olho à matemática, “New Long Leg” faz da limpeza a seco o novo punk.
Sem Comentários