Há, na cinematografia americana, muito boa – e má – matéria no que toca ao saudosismo escolar. De “Grosse Pointe Blanke” a “Beautiful Girls”, entre a comédia e o absurdo, o drama e o remorso, muito já se filmou sobre essa era irrepetível, a que muitos regressariam largando tudo e à boleia de um “Forever Young” – e que, outros tantos, talvez menos, desejariam poder colocar um penso de esquecimento por cima.
Vinte anos depois de “The Ideal Crash” ter chegado às lojas, em tempos onde a pirataria e o streaming pago eram ainda uma miragem, os belgas dEUS vieram ao Coliseu dos Recreios para um concerto que, na antecâmara, tinha já o ar de uma reunião escolar: malta já bem para lá dos quarenta, barrigas sem espírito atlético, os filhos entregues a babysitters pagas à hora, à pessoa com que se divide a casa e as contas ou, para quem os tem, a amigos ou familiares solidários.
Tom Barman – sempre num português muito bem-posto – e companhia não tiveram propriamente o melhor começo – alguns solos manhosos e pouca coordenação entre linhas – mas, aos poucos, a máquina lá afinou, e “The Ideal Crash” foi tocado de uma ponta à outra com algum brilhantismo à mistura – mesmo que, da antiga efusão, a turba reaja agora de forma bem mais contida. 10 canções e qualquer coisa como 53 minutos, num disco que, segundo Barman e apelando ao eterno confronto nacional, só teve o problema de “ter sido gravado em Espanha”.
Depois dessa curta viagem que não bateu os sessenta minutos, os belgas serviram alguns clássicos, isto até à chegada de um encore muito mal desenhado – um daqueles dias não que os treinadores da bola bem conhecem -, a que só escapou mesmo “Quatre Mains”, onde o grupo de dançarinos portugueses, quais Slytherin coreografados por um Hal Hartley no pico da carreira, ajudaram a conferir uma carga dramática, cénica e de certa forma tresloucada, recordando os tempos áureos de uma banda que, apesar dos ânimos refreados, tem conseguido manter uma apreciável base de admiradores, sobretudo em terras lusas.
Não faltaram os apelos à confissão, tudo em nome de um documentário da tour que sairá em breve. Numa das salas do Coliseu poderia falar-se de amor, de loucura, de desapontamento, mas parece-nos que, nesta noite, a confissão foi trocada por uma mais protestante conversa entre amigos de longa data. Há reuniões assim.
Fotos: Tiago Cortez / Everything is New
Promotora: Everything is New
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