Ainda tristes mas mais felizes do que nunca. A frase anterior poderia servir de lema aos Daughter, um trio britânico com a alma impregnada de folk que está de regresso ao mundo dos longas-duração com “Not do disappear” (4AD, 2016), disco que sucede ao muito bem-recebido “If you leave”, de 2013.
Bastará uma primeira audição para perceber que este é um disco onde não moram singles – como aconteceu com o seu disco de estreia – ou canções para serem rechaçadas de peito aberto. Aqui deprime-se pelo encanto e pela sobreposição de camadas, em letras que falam de insegurança, de distância emocional, do receio da maternidade ou das doenças que assolam os que nos rodeiam – e que, mais tarde ou mais cedo, nos chegarão ao corpinho.
Estamos perante um disco de transformação. Se há dois anos a música parecia demasiado épica – e por vezes feliz – para uma depressão do tamanho do mundo, agora parece ser a voz de Elena Tonra a comandar toda a orquestra, impedindo que esta se desmantele e se perca no meio de tanta camada. Em termos sonoros a paleta é deveras impressionante: um pouco de indie pop, shoegaze a rodos, uns ecos de post rock, dream pop para dar e vender. O minimalismo continua a ser a palavra de ordem, mas o ar espartano que tão bem conhecemos nos XX ganhou agora uma expansão na linha de uns Beach House de pendor épico. Como no tema “New Days”, onde a caixa de ritmos dá, de repente, lugar a um arranhar de guitarras, resultando em qualquer coisa como um minimalismo requintado.
Em “Numbers” canta-se “I feel numb in this kingdom“, tema com um kick capaz de fazer dançar a tristeza; “How” traz-nos um baixo que não destoaria numa malha dos Pixies, com uma voz tão sonhadora e etérea que poderia estar suspensa sobre uma nuvem de algodão-doce; “Mothers” é música espacial, banda sonora para um remake de “2001 Odisseia no Espaço”; em “Alone with you” anda-se em ritmo de passeio dominical até que a caixinha de música se abre enquanto se canta “I hate walking alone; i should get a dog or something”; “No care” remete-nos para um mantra quase ao nível do suicídio – “I don`t care anymore” -, isto enquanto uma entrada em modo sapateado se transforma numa guitarra possuída pelo espírito dos Radiohead – e a caminho do “The End” dos Doors; mas há também “Doing the right thing”, a grande canção do disco, lancinante, uma viagem ao mundo do Alzheimer e da perda de memória daqueles que nos são mais chegados: “Then I`ll loose my children; Then I`ll loose my love; Then I`ll sit in silence; Let the picture soak”.
Não será com “Not to disappear” que os Daughter irão ganhar novos fãs ou, provavelmente, entrar em festivais de verão como cabeças-de-cartaz. Porém, é neste disco que parecem ter descoberto o seu refúgio, esculpindo em pedra um pequeno tributo à depressão que todos os dias insiste em bater à porta (mais a uns do que a outros). Caso se sinta vulnerável, um maço de lenços pode não ser suficiente para secar a tristeza enquanto dança.
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