Na noite de ontem na ZDB, se o espectador fosse um caloiro de uma licenciatura em história da pop ou em teoria da harmonia, teria certamente ficado arrepiado com a actuação de Manuel Mota, pensando no que teria feito à vida ao mesmo tempo que antecipava já a transferência para um qualquer ramo da engenharia. Praticante de guitarra na sua vertente mais experimental, Mota explorou a veia mais eléctrica e ruidosa do blues, numa actuação circular com muita distorção mas pouca harmonia, em temas onde é difícil criar uma relação de pertença. Só mesmo para corações experimentalistas inveterados.
O regresso de Haley Fohr a Portugal coincidiu com o ano em que os Circuit des Yeux editaram “In Plain Speech”, o seu trabalho mais orquestral, onde se sentia uma atracção pela melodia que, agora, parecia querer caminhar ao lado dos habituais fantasmas e exorcismos. O espectáculo de ontem, porém, ofereceu uns Circuit des Yeux mais virados para os tempos iniciáticos, onde Fohr surgiu acompanhada por uma flautista e uma violinista. Algo que até podia ter significado um mergulho no lado mais outonal e bucólico dos Circuit des Yeux, sobretudo quando temas como “Ride Blind” ou “Fantasize The Scene” serviram de entrada. Mas cedo o experimentalismo tomou conta das operações, faltando a grandiosidade harmónica e de arranjos que palpitava no quinto longa-duração da banda (algo também condicionado pela ausência de bateria, baixo ou clarinete).
Fohr disse não gostar de falar de si – escondia-se quase sempre atrás de uma franja imensa de cabelo -, mas ainda arranjou tempo para brincar com o facto de o pai estar-lhe sempre a dizer que quer ir consigo numa tour – “ainda não chegou a altura”, brincou – ou para falar da procura das segundas oportunidades, fazendo uma analogia com os jogos de sorte e de azar a que muitos se entregam esperando que o dia nasça diferente ao acordar.
Para quem esperava uma viagem bucólica, o concerto foi feito de exorcismos e crucificações, tal como sair de casa para ir a um baile medieval e acabar em redor de uma fogueira onde bruxas faziam fila para serem assadas. Esta não era, definitivamente, uma boa noite para os espíritos mais melancólicos saírem de casa.
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