As canções de Cassandra Jenkins são como bálsamos para os entorses da alma. Não se trata de papel de parede sonoro, riachos a correr e flautas de Pan, bem pelo contrário – “An Overview on Phenomenal Nature” (Ba-Da-Bing!, 2021), o segundo álbum da cantora nova-iorquina, é complexo, jazzístico e detalhado. Convida a respirar fundo, fechar os olhos e relaxar.
O primeiro LP, “Play Till You Win”, foi um sucesso modesto em 2017, e revelava já um talento especial na escrita de canções. Porém, não deixava antever o que aí vinha: Cassandra navegava então nas águas do indie-pop de aroma country, com canções redondas e perfeitinhas.
O segundo álbum mostra assim um registo inesperado, tingido de magia, sonho e paisagens expansivas. O tema que abre o disco, “Michelangelo”, é o mais convencional – Cassandra lembra a também americana Aimee Mann, numa canção de base eléctrica, onde passeia uma guitarra trémula de distorção e alguns floreados de cordas. É belíssima.
Mas é com “New Bikini” que se dá a metamorfose, com o saxofone planante de Stuart Bogie e um discreto sintetizador espacial, enquanto Cassandra canta sobre as propriedades medicinais de entrar na água do oceano.
“Hard Drive” é a jóia da coroa, o coração do álbum. Cassandra gosta de gravar os sons que a rodeia, e as palavras de desconhecidos – neste caso, o que abre o tema é a gravação de uma mulher, segurança de um museu, debitando considerações filosóficas sobre a ligação do bicho-homem à natureza. A música arranca com um tapete sonoro elegante e, em tom de conversa, a cantora revela o que lhe vai na alma. O tema evolui, envolvente, com o saxofone planando ao fundo, e um ritmo em crescendo. A toada é intimista – Cassandra partilha passagens e observações, tecidas com notas de folk gracioso. É um tema tocante.
Em 2019, Cassandra esteve prestes a arrancar numa tournée com os Purple Mountains quando o vocalista, David Berman, pôs termo à vida. O peso dessa ausência poderosa sente-se aqui, em temas iluminados como “Ambiguous Norway” ou “New Bikini”.
Em termos musicais o disco é de espanto, com solos de guitarra sentidos, percussão subtil, sintetizadores e cordas sentimentais, e o saxofone sempre por perto. É um trabalho cheio de pessoas, observações e momentos reais. “An Overview on Phenomenal Nature” vive no agora, é intelectual mas, também, emotivo e pessoal. Apesar de intimista, tem um apelo universal, expresso nos arranjos arejados do produtor Josh Kaufman.
Com apenas sete músicas, o álbum fecha com “The Ramble”, instrumental cálido onde passeamos durante sete minutos por um parque solarengo, onde cantam pássaros e brincam crianças. Fechamos a viagem certos de que o talento de Cassandra Wilkins a vai libertar das acanhadas fronteiras do indie-rock, que começam já a ser pequenas para ela.
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