“É a melhor coisa a aparecer depois da Patti Smith”. Esta frase de Brian Eno sobre Anna Calvi é uma daquelas que arrisca colar-se a uma carreira e tornar-se num cliché, uma que destrói qualquer tentativa de construir uma argumentação mais substancial do que o simples lugar-comum. Mas o que fazer quando, por mais que tentemos, esta não nos sai da cabeça e teima em pôr-se à frente de qualquer outro pensamento? O melhor é não forçar e deixar a coisa fluir naturalmente. Por isso, cá vai: Anna Calvi é a melhor coisa a aparecer depois da Patti Smith.
Por mim, este texto sobre a actuação da norte-americana no Capitólio, na apresentação do seu novo Hunter, ficava só assim. No entanto, o Pedro Miguel Silva, o editor aqui do estaminé, não iria achar certamente graça e iria obrigar-me a escrever algo mais. Por isso, vamos lá tentar articular algo mais estruturado e sério. Até porque, desde a Patti Smith até aos dias de hoje, também houve a St. Vincent, o que faz com que a afirmação do Brian Eno não seja totalmente correcta.
Certo é que não deixa de ser curioso que sejam duas mulheres as herdeiras directas de Prince na forma de tocar guitarra. Nem é preciso ouvir, basta só ver a forma como Anna Calvi sobe a palco, empunha a guitarra e começa a tecer o riff de entrada de “Rider to the Sea”, a malha de abertura do seu disco homónimo, e que depois desagua na mais recente “Indies of Paradise”.
Tal como a sua música, Calvi é sedutora e sabe o ABC do rock na ponta dos dedos. É certo que a secção rítmica que a acompanha é poderosa e a intensidade é um dos trunfos da sua música, especialmente quando os temas explodem em catarse sonora, mas é a voz de Anna Calvi que faz os maiores estragos. Com uma amplitude vocal brutal, a norte-americana sobe e baixa de tom para dar textura às canções, assim como a usa como se fosse também um instrumento. E quando abre a goela, como o fez no final de “Don’t Beat the Girl Out of my Boy”, arrepiamo-nos todos. Anna Calvi pode até nem ser a melhor coisa que apareceu desde a Patti Smith, mas provavelmente é-o desde a Maria Callas.
Sem adereços cénicos, o concerto de Anna Calvi faz-se essencialmente da sua música e da sua entrega em palco. Mas é só quando “Desire” se houve, já perto do final, e o público reage finalmente, libertando-se das amarras que o mantiveram relativamente imóvel a maior parte do tempo, que a coisa ganha um novo nível de galvanização. Infelizmente já não havia tempo para muito mais. E mesmo o encore, com a versão desse temaralhão que é “Ghost Rider”, dos saudosos Suicide, já não nos tira aquela sensação de que mais 10 minutos de actuação que não fariam mal a ninguém.
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