Há quem diga, com um certo ar de brincadeira, que o jazz é aquele estilo musical onde os músicos se divertem, claramente, bem mais do que os seus ouvintes. Um pouco como aquele puto que na infância nos convidava para dar uns toques e, logo depois, se armava em totó e não passava a bola a ninguém.
Porém, mesmo para aqueles que dizem não gostar desta clima sonoro, há sempre surpresas como Kamasi Washington, autor de algumas das mais entusiasmantes viagens jazzísticas em nome próprio e que, diga-se, foi um dos grandes responsáveis por “To Pimp A Butterfly”, rodela assinada por um tal de Kendrick Lamar, ter soado tão, mas tão bem.
“The garden of earthly delights” não tem o dedo de Washington ou o kick rappiano de Lamar mas, para aqueles que se quiserem aventurar pelas várias tonalidades que o jazz oferece, o terceiro longa-duração do contrabaixista e compositor André Carvalho será uma espécie de inter-rail dedicado a conhecer os contrastes do mundo.
O disco, gravado em Abril de 2018 no The Bunker Studio, em Brooklyn, Nova Iorque, foi misturado pelo pianista, engenheiro e produtor Pete Rende e masterizado pelo multi-instrumentista Nate Wood. Um disco que contou com a participação de músicos de várias nacionalidades, entre eles Jeromy Powell, um dos mais influentes músicos nova-ioquinos, Eitan Gofman, um jovem saxofonista israelita, Oskar Stenmark, trompetista sueco, Rodrigo Recabarren, baterista chileno, ou André Matos, guitarrista português.
Inspirado por The Garden Of Earthly Delights”, um dos mais famosos quadros em formato tríptico da enigmática obra do pintor holandês Hieronymus Bosch, este novo trabalho de André Carvalho resultou numa suite musical de vários andamentos e estados de espírito, de antagonismos e dissonâncias, que nos mostram os altos e baixos da humanidade, as suas alegrias e os seus medos. Um mergulho num jardim que, se de início nos seduz com o perfume de flores coloridas, nos vai aos poucos envolvendo no negrume, como se abraçados por plantas carnívoras. Uma espécie de Floresta Negra com boas abertas que vale bem a pena percorrer.
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