Esta é uma daquelas histórias que poderia facilmente figurar num livro da Disney – isto se, um dia, tratarem de escrever uma versão mais indie do universo escrito a direito por Walt. Numa questão de semanas, Cátia Mazari Oliveira apareceu-nos em toda a parte: na redacção do Público para um concerto/entrevista, nas Fnac`s para uma série de showcases, ou até num directo na RTP 2, que contou com a inesperada participação da sua avó. E se, para alguns, esta história de uma Cinderela moderna poderá parecer fruto do acaso ou não passar de um mero capricho da Providência, para outros trata-se apenas de uma coisa: puro talento.
Basta ouvir os primeiros acordes e rimas de “No Dia do Teu Casamento”, single que nos conduz pela mão através da “Rua das Marimbas”, para perceber que A Garota Não possui algo de singular: uma mistura rara entre a genuinidade e o apurado olhar social e humano, numa escrita apurada, poética e não raras vezes em ferida, capaz de espremer a alma em versos que se ouvem e teimam em permanecer após o silêncio se instalar.
Na noite de ontem, Setúbal compareceu em peso a um esgotado Pequeno Auditório do CCB, naquele que foi o primeiro concerto a sério de A Garota Não. Jogava-se em casa mas a tensão era palpável, num cenário do qual faziam parte uma ilustração a preto e branco dessa rua saída da imaginação de Cátia, ou uma daquelas mesas que encontramos na tasca do bairro, que ajudava a transmitir uma sensação de familiaridade.
Numa viagem que percorreu a Rua das Marimbas quase de uma ponta à outra, houve tempo e atrevimento para experimentar alguns temas novos, tocar versões de Fausto Bordalo Dias – “Porque me olhas assim” – e Criolo – “Casa de Mãe” – ou, através de uma canção-manifesto, homenagear José Mário Branco, dizendo-lhe que desde que nos cantou a Liberdade “o nosso chão tem sonhos e vontade”.
Em palco, para além de uma ajuda nos coros, estiveram dois parceiros que ajudaram a construir pedra a pedra esta rua: Sérgio Mendes, produtor de “Rua das Marimbas” – que fez parte dos Hands on Approach e é habitual companheiro de estrada de João Pedro Pais -, esteve entregue às guitarras, qual The Edge a tecer uma teia na qual podemos repousar sem medo de qualquer aranha; e Diogo Sousa, o prodigioso baterista que nos habituámos a ver ao lado de gente como Quarto Quarto, Tio Rex, Moullinex ou Savanna.
Para além do encanto vocal e de uma sinceridade desarmante e libertadora, A Garota Não mostrou ter também uma veia pulsante de stand up comediant, com piadas quase sempre em redor do universo setubalense que levaram muito boa gente às lágrimas – a história da escolha da indumentária a usar no concerto foi incrível. Tudo isto complementado com um discurso mais sério e uma forte componente humana, fosse numa palavra de lamento pelos refugiados que se aventuram no Mediterrâneo, por aqueles que sobrevivem a recibos verdes ou com as saudades de uma mãe que acabou por partir cedo. E ainda se lembrou de deixar, a cada um, um mimo debaixo do braço da cadeira. Do bairro para o mundo, esta garota é definitivamente um sim.
Fotos: Maria Miguel (gentilmente cedidas por sara does pr)
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