São muitos e diversificados os desenhos de plantas que ilustram certos capítulos de “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé” (Dom Quixote, 2025). Acompanhados pelo nome comum, pela designação científica e pela breve menção a uma das suas características, funcionam como uma espécie de introdução ao que vamos ler a seguir, ao mesmo tempo que reforçam a íntima relação entre o mundo vegetal e a narradora – alguém que cedo nos confessa o hábito de converter mentalmente pessoas em plantas, para conseguir relacionar-se com elas. É assim que aprendemos, por exemplo, que a tília reduz a ansiedade, ou que o tronco do castanheiro fica oco quando a árvore envelhece, e tudo isso contribui não só para caracterizar o percurso desta narradora e das personagens que a acompanham como, também, para a originalidade desta obra, na qual Luísa Sobral revela a sua voz para além da música – e é uma voz literária impressionante, belíssima, mesmo quando os acontecimentos descritos nada têm de belo.
Graças ao prefácio, sabemos desde o princípio que o enredo se baseia numa notícia real que a autora se sentiu impelida a transformar, numa primeira fase, numa canção. As interrogações que permaneciam originaram este romance, onde o prólogo revela o final da história e o restante texto reconstitui, a várias vozes, as etapas que conduziram a esse momento.
A narradora apaixonada por plantas recua tão longe quanto se lembra, às memórias do jardim maravilhoso da ama e à vida doméstica com um pai adorado e uma mãe distante. Nascida na Alemanha Oriental, dois anos após a edificação do muro de Berlim, filha de um funcionário da STASI – a polícia política, que controla toda a população –, vive satisfeita até descobrir que o pai não é “um homem bom”. “Raramente se fala nos momentos presentes que alteram o passado porque nada deveria alterar o passado. É a única segurança que temos”. E a destruição dessa segurança leva-a num périplo com paragens marcantes em Itália e em Portugal.

Paralelamente, conhecemos a história de uma outra mulher, unida à primeira por um laço que não é logo evidente, mas que descortinamos ao fim de algumas dezenas de páginas. Esta é uma mulher que perdeu o pai na Segunda Guerra Mundial, e que se viu separada da mãe e da irmã pelo muro de Berlim. Uma mulher nascida na Alemanha Ocidental, que se deixa encantar pelo Leste devido a uma paixão, e cuja vida se torna penosa quando aquilo que acreditava ser “o início de um amor sem fim” dá lugar a um misto de asco e medo.
Entre mágoas e esperanças, da destruição de expectativas para o futuro a recomeços inesperados, acompanhamos vidas feridas pela história recente da Alemanha, mas que parecem desenrolar-se pertíssimo de nós, numa narrativa poderosa que nos cativa do início ao fim.
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