Mario Vargas Llosa, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2010 – e quase a completar 80 anos -, afirma estar a viver uma época da sua vida em que o entusiasmo e as fantasias o têm vindo a surpreender, contrariando assim a tendência mais letárgica desta idade. Na mesma entrevista ao El País em que afirmou estar a viver uma época empolgada, o autor revelou também que o tema central deste seu novo livro, “Cinco Esquinas” (Quetzal, 2016), era mais uma vez sobre o poder e os efeitos tóxicos do jornalismo sensacionalista, a imprensa chicha.
O tema não é novo, antes pelo contrário; é revisitado constantemente nos seus romances ou no ensaio “A Civilização do Espectáculo”, onde a preocupação pela qualidade da informação e dos conteúdos das artes é o tema central, afirmando o flagelo que se vive nesta dita civilização do espectáculo.
Em “Cinco Esquinas” a denúncia é exactamente essa, juntando também o período de terrorismo que o Peru viveu às mãos de Alberto Fujimori e o seu braço direito, aqui nomeado de O Doutor. Deixando esta sombra como pano de fundo, desde cedo a intriga refere os raptos e as vitimas e o risco que era circular nas ruas após o horário de recolher obrigatório. É desta forma que o enredo arranca, com duas mulheres, amigas, que não conseguindo cumprir tal obrigação acabam a dormir juntas e a encetar um romance erótico paralelo ao enredo central.
“Foi invadida por uma sensação de bem-estar, uma incerteza feliz. Aquilo tinha passado e agora ela e Chabela iriam na próxima quinta-feira a Miami e, durante três dias, esquecer-se-iam dos sequestros, do toque de recolher, dos apagões e de todo aquele pesadelo.“
A época de Fujimori é uma época que pesa na memória do autor, já que foi derrotado pelo mesmo em 1990, começando no país um período fortemente anti-democrático, apoiado numa rede de imprensa sensacionalista que expunha e retirava de circulação certos nomes influentes do Peru. E é exactamente nisto que o autor pega para formar o enredo central em torno da chantagem feita ao empresário Enrique Cárdenas.
“Assim que o viu entrar no seu gabinete, o engenheiro Enrique Cárdenas – Quique para a mulher e amigos – sentiu um desconforto. O que é que o incomodava no jornalista que se aproximava dele com a mão estendida? O seu andar tarzanesco, esbracejando e rebolando-se como o rei da selva? (…) Tinha uma vozinha estridente e parecia estar a troçar, com os uns olhos pequeninos e movediços, um corpinho raquítico…“
Após esta visita inesperada, Cárdenas vive uma espiral de destruição da sua vida pessoal e profissional, com eventos movediços que o enredam em crimes e orgias. No entanto, não é só a sua vida que sofre de retrocessos e puas. Rolando Garro, Julieta Leguizamón (Retaquita) ou Juan Peineta, (as personagens mais bem construídas deste livro) são arrastados com ele, sem nunca esquecermos que a mão que os empurra é muito mais forte e omnipotente quando comparada com a calúnia ou a calhandrice de qualquer pasquim popularucho e difamador.
“A ideia do jornalismo vinha-lhe fundamentalmente dos pequenos pasquins e páginas sensacionalistas que exibiam nos quiosques do centro e que as pessoas paravam a ler – ou, melhor dizendo, a olhar, porque neles não havia quase nada que ler, tirando os grandes e aparatosos títulos (…) denunciando as coisas sujas, os segredos mais pestilentos e as reais ou supostas maldades, roubos, perversões…“
Esta ideia de jornalismo, partilhada por Retaquita e Garro, essa parelha pestilenta que dedicava o seu tempo ao escrutínio mais banal, chega por vezes a ser cansativa, já que a narrativa se repete. Não só com esta parte do enredo, mas francamente no geral. Porém, as descrições que faz de cada um deles são realmente as melhores partes do livro. Bem como, já mais para o final, onde repete a proeza, fazendo um capítulo só de diálogos intrincados e decisivos, brilhando, mas pouco.
“Cinco Esquinas” cumpre sem dúvida a sua função de denúncia, não deixando cair em esquecimento um período ditatorial do Peru. No entanto, o enredo acrescenta pouco, se bem que – e não se esperaria outra coisa de Llosa – todos os segredos se cosem muito bem com os podres maiores que pautaram o regime.
“Havia denúncias de que um bando de foragidos sequestrava crianças nascidas em comunidades indígenas bolivianas e as vendia a mafiosos peruanos na fronteira, e que estes, por sua vez, as revendiam a casais geralmente estrangeiros…“
1 Commentário
A obra prende do início ao fim..