A 6 de Agosto de 1974, após uma esmerada preparação que o levou a cometer uma das grandes ilegalidades da história – pelo menos no que diz respeito a edifícios com história -, o francês Philippe Petit atravessou o grande abismo entre as Torres Gémeas, percorrendo um cabo de aço como um funâmbulo-bailarino, suspenso sobre o abismo e todo um mundo que, durante algumas horas, suspendeu a respiração e as ideias feitas sobre a Física.
Dan Bejar não será, quer pela forma física como pelo insondável apelo etílico, o mais provável candidato a copiar, nos dias de hoje, a façanha de Petit. Porém, quando o vemos em palco na condução de uma parelha chamada Destroyer, na qual se incluem ainda John Collins (baixo), David Carswell e Nicolas Bragg (guitarras), Ted Bois (teclas), JP Carter (trompete) e Joshua Wells (bateria), é difícil não pensar na imagem de um funâmbulo em desequilíbrio constante e que, ainda assim, consegue por milagre chegar à outra ponta do fio, sem se espalhar ao comprido no alcatrão quente.
Dez anos depois os Destroyer regressaram ao Musicbox, agora para apresentar o recente e abençoadamente sinuoso “Labyrinthithis” – e, ainda assim, continuamos a perguntar: como consegue caber tanta gente naquele palco minúsculo?
O arranque foi turbulento, e temeu-se que seria desta que Bejar se iria perder pelo caminho. Em “In Your Heart Now” a voz anda às apalpadelas e, avançando para “June”, Bejar recorre às cábulas para ler uma sentida declaração, assumindo o papel de um bardo que, a cada pausa, desce ao nível do solo para atestar mais um gole de cerveja. A verdade é que Bejar parece funcionar melhor de depósito cheio e, à medida que as cervejas se vão sucedendo, também ele se vai encontrando com os tempos e os acordes, e a certa altura até o vemos ensaiar uns movimentos de anca – isto enquanto vai lançando agradecimentos com o embalo de murmúrios que ninguém parece conseguir traduzir.
Há novos e velhos temas, momentos em que os sintetizadores nos levam às cavalitas, outros em que os trompetes nos dilatam os tímpanos, as guitarras nos provocam calafrios e a bateria e o baixo se unem para nos pôr as ancas em sobressalto. Ao fim de todos estes anos, deixando para trás pele atrás de pele, Dan Bejar continua a erguer fragmentos da sua inacabada ópera. Com sorte, temos aqui uma outra Sagrada Família.
Setlist
In Your Heart Now
June
The Raven
Times Square
Tinseltown Swimming in Blood
Tintoretto, It`s For You
Kinda Dark
It Just Doesn`t Happen
Cue Synthesizer
The River
It Takes a Thief
Kaputt
Foolsong
Suicide Demo for Kara Walker
Encore
Chinatown
Streethawk I
European Oils
Na foto: Philippe Petit atravessando as Torres Gémeas
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