Se procura um disco de música erudita, bem construído e de produção 100% nacional, não precisa ir mais longe. Embarque nesta viagem serena chamada “Arcos” (Revolve, 2021). O responsável pelos oito temas de piano solo que compõem este disco é Marco Franco, músico com créditos firmados na cena do jazz nacional – e não só.
Como percussionista, Franco tem uma longa tarimba: trabalhou com nomes como os Braindead, os Peste e Sida, Dead Combo, Memória de Peixe e muitos outros. É, também, um dos vértices do mini-colectivo cósmico Montanhas Azuis, ao lado de Bruno Pernadas e Norberto Lobo. À bem sucedida carreira nos ritmos acresce o seu talento como pianista – o primeiro álbum a solo atrás das teclas pretas e brancas, “Mudra”, surgiu em 2017, e foi recebido como uma agradável surpresa por crítica e público.
Voltamos agora a atenção para “Arcos”, segundo disco em nome próprio, que se apresenta como um objecto curioso: Franco toca num piano vertical de tampo aberto, expondo as respirações e ruídos dos diligentes mecanismos. As composições aproximam-se de sons clássicos e românticos – como em “Pneumática”, melodia com ecos dos musicais de hollywood nos anos 50; noutros pontos, a mistura é mais experimental, caso de “Canta Trovão”, caixinha de música enigmática, assombrada, inquietante.
“Crisálida” lembra o minimalismo repetitivo de Michael Nyman ou Philip Glass. Também a sombra tutelar do compositor francês Erik Satie paira por estas melodias. É visível, por exemplo, em “Sambódromo”, passeata contaminada por uma brisa tropical.
“Anecóica” é uma versão de um tema de Norberto Lobo. Franco pega no original, espécie de canção amorosa de baile de liceu, e descasca-o dos arranjos até sobrar apenas a melodia quebradiça, transformando-o numa canção de embalar, cristalina como uma moeda novinha em folha.
Com os seus temas de frágil equilíbrio entre melodias emotivas, sopros fugazes e outros fantasmas, Marco Franco criou um espaço único para si próprio, estabelecendo um universo particular de beleza minimal em apenas dois discos.
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