Quando, na recta final de 2020 chegou o momento de os críticos musicais se dedicarem a escolher os melhores discos do ano, esta foi uma daquelas rodelas com que nos deparámos em muitas das mais recomendadas publicações, fossem impressas e digitais. Terceiro longa-duração dos australianos The Avalanches, “We Will Always Love You” move-se entre a vontade de recolhimento e o desejo de euforia, convidando a uma festa de onde saímos carregados em ombros, já com o sol a abrir os braços e a cantar «music makes me high, this music makes me so high».
A banda, agora composta pela dupla Robbie Chater e Tony Di Blasi, lançou “Since I Left You”, o disco de estreia, em 2000. Considerado um dos melhores trabalhos de sempre na arte da samplagem, está ao nível de obras-maiores como “Paul`s Boutique”, dos saudosos Beastie Boys. Um disco composto por mais de 3500 samples, todos retirados de discos de vinil, que passados 21 anos continua a proporcionar uma viagem única a ambientes onde tanto podemos desfrutar de um inofensivo chá de menta como subir a fasquia com uma vodka/red bull. Em 2016 foi a vez de “Wildflower”, o segundo capítulo que manteve a banda australiana num estado de graça.
Apesar da delirante complexidade, distribuída ao longo de um disco com 25 faixas, “We Will Always Love You” aproxima-se do formato de canção mais convencional, algo para o qual muito contribuiu o enorme leque de vocalistas que os The Avalanches convidaram para se juntarem à festa – e que certamente se terão divertido por entre uma variedade de estímulos sonoros que vão de sons de videojogos a efeitos especiais, sem esquecer as colagens de discos obscuros que a banda consegue desencantar sabe-se lá de onde.
Entre os convidados há boa gente como Leon Bridges (que tem dado cartas no R&B), Rivers Cuomo (Weezer) ou Dev Heynes (Blood Orange), brigada mais dada à contemporaneidade, a que se junta também o espírito old school de Vashti Bunyan, Sananda Maitreya (anteriormente conhecida como Terence Trent D`Arby), Neneh Cherry, Perry Farrell (Jane`s Addiction) ou Tricky, sem esquecer o mestre das artes dançantes conhecido como Jamie XX (The XX) – que fala de “Since I Left You” como um dos discos que o levou a decidir tornar-se um artífice musical. A este respeitável gangue juntam-se ainda os também respeitáveis Johnny Marr (lembram-se dele como guitarrista dos The Smiths ou à frente dos Electronic?), Kurt Vile ou os enormes MGMT.
Seria de esperar que, com tanta gente envolvida, os The Avalanches perdessem um pouco o controlo da coisa, mas a assinatura inconfundível destes dois australianos está por toda a parte, convidando a uma viagem a um universo pop extravagante que, para lá de algum negrume, convida a fazer da vida uma festa memorável. Os génios afinal existem – e são australianos.
Nota: a cara que se encontra na capa do disco pertence a Ann Druyan, directora criativa do Voyager Interstellar Message Project, da NASA – projeto que enviou para o espaço dois LP`s de ouro com tudo aquilo que nos torna humanos, incluindo a gravação das ondas cerebrais de Druyan, destinados a serem encontrados por outras espécies inteligentes -, e directora do programa da primeira missão espacial a vela solar, lançada num míssil balístico intercontinental russo em 2005. Com Carl Sagan, seu falecido marido, foi coautora de “Cosmos: Uma Viagem Pessoal” e de seis êxitos de vendas do New York Times. Foi a principal produtora executiva, directora e co-autora de “Cosmos: Odisseia no Espaço”, com que ganhou os prémios Peabody, Producers Guild e Emmy, em 2014. É também produtora executiva, escritora, directora e criadora de “Cosmos: Mundos Possíveis”, série transmitida pela primeira vez em 2020.
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