A bordo de uma nave espacial, assinou com os Capitães da Areia um dos discos essenciais da música portuguesa da última década, algures entre o descomprometimento e o conceptualismo, percorrendo o universo quase de uma ponta à outra ao mesmo tempo que tratava de revisitar – e de homenagear – boa parte da cultura musical portuguesa. Um disco para dançar, feito de acordes inconscientes, teclados em ebulição – ou em combustão -, batidas em delírio líquido e refrões para serem cantados e partilhados com os vizinhos de cima e de baixo que, sendo tremendamente divertido, teve de ser levado muito a sério. Algo como um monumento pop com a forma e o fascínio de um pequeno rectângulo desenhado à beira-mar.
Cinco anos depois já não temos Capitães, mas a viagem de Pedro de Tróia continua a escrever-se com ecos de portugalidade – e com o Capitão da Areia Tiago Brito na produção. “Depois Logo se Vê”, a sua primeira aventura em nome próprio, é uma confissão em estado pop, um retrato da falha e da busca pela redenção, ansiando por dias claros que teimam em não chegar. Neste exercício de terapia musical abraça-se o lado parvo do amor e da vida, que os Capitães tão bem souberam explorar e que Tróia transporta aqui para uma vertente mais emocional e pessoal, mostrando-nos as suas inseguranças e ansiedades agora que os trinta – os seus trinta – se instalaram.
Com Embaraçado, o Verão Azul volta a entrar-nos casa adentro, com todos os embaraços da infância e da adolescência – alguns deles pequenos gladiadores que teimaram em fazer parte da vida adulta. Recorda-se o primeiro amor para os lados de Pedras D`El Rei, extinto como o eram os castelos de areia abalroados pelo mar. Tudo com a musicalidade de um slow efervescente, para se poder dançar na timidez que é devida.
Teclados que poderiam habitar em Stranger Things transportam-nos até aos braços de uma Salvadora, num encontro marcado com a ajuda de um coro que promete um incêndio nocturno na cidade.
Em Óculos de Sol não há mesmo volta a dar: é vestir o biquíni ou enfiar os calções de banho e ir curtir com os pés na areia, enfrentando o escaldão de sorriso no rosto e sentindo o encanto da foleirice no amor, deixando que a claridade e o sabor a chocolate, meloa ou doce de leite possam levar para a frente o namoro.
Nunca Falo Demais faz uma entrada a pés juntos com Future Islands, mas é mesmo só para enganar. A bola de espelhos começa a rodar e as purpurinas saltam à vista, numa confissão que pede a quebra do silêncio. Exige-se dança, impõe-se o abanar de anca, inventa-se um novo mantra: “Quem me julga só se aborrece”.
“Imagina que morremos depois deste take”, ouve-se no início de Rés do Chão, e por momentos parecemos estar ainda a bordo da nave dos Capitães. Um tema belíssimo, onde o desejo é o de atirar para trás das costas com uma vida de cão e dez anos a dormir no mesmo desconfortável colchão, com a vida a não devolver nem um quartinho daquilo que se deseja ou por que se vai lutando. Maldiz-se quem nasceu de cu virado para a lua e fazem-se figas para que um dia se possa viver num último andar, com um terraço onde dê para abrir os braços e entrar sem medo ou vergonha em gigantismos. Uma canção dominada por uma guitarra acústica que pede um isqueiro aceso do princípio ao fim.
O bem-me-quer mal-me-quer vê-se substituído por um Dente de Leão, num sentido de inspiração que obriga a levantar o corpinho da cama, a mantê-lo acordado até altas horas e a pedir que um artesão possa surgir para juntar os fragmentos dispersos numa cura profética. Vai-se ao fundo da ilusão e regressa-se para bater de novo à porta da vida, deixando despreocupadamente a chave no bolso. Os teclados que se vão ouvindo parecem estrelas cadentes, com um coro espacial a embrulhar em papel brilhante esta busca incessante pela inspiração.
Em Passos Lentos mora um coração que adormeceu num copo de água ardente depois de uma jura de amor eterno. Luta-se por (voltar a) ter borboletas a morar dentro da barriga, oferecendo cactos em vez de um amor-perfeito, mesmo que o andar pareça ficar cada vez mais pesado. Mas talvez o amor seja também isso: aceitar as imperfeições, a lentidão. É quase um samba com as rotações trocadas, um caribe no marinanço, um slow que vai decrescendo até acabar num tímido sussurro.
Meia Hora é mais um momento de acalmia, agora com a guitarra a ganhar alguma electricidade. Entra-se na relação de peito aberto, dando e recebendo, negando e recebendo a nega de volta, aceitando o presente e não querendo saber daquilo que o amanhã reserva.
E como fazer que os dias passem mais depressa e que se consiga sair do armazém da memória – ou, pelo menos, mudar o que de errado se fez? Aceita-se o erro, fazem-se desvios para evitar as sombras do meio dia. Ela não vem e a pergunta que se faz é esta: e agora? Vençam-se as memórias, finte-se a dor.
A terminar passeamos Por dias claros, onde uma bateria com ar marcial dá início a uma elegia fúnebre, lida por quem deixou de ter a luminosidade por perto. O tempo aqui é de oração, o balanço que se faz é quase o de uma vida inteira, aceita-se que talvez a redenção e a bonança só cheguem mesmo no fim disto tudo.
“Depois Logo se Vê” é um disco que nos põe a olhar para a vida adulta com o olhar tímido da infância e a inquietação da adolescência, fazendo-nos sonhar com um namoro que venha sem grandes formalidades e muita dança. Dancemos pois.
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Pedro de Tróia apresenta “Depois Logo se Vê” a 13 de Março no Musicbox, em Lisboa. Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.
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