Os pianistas Leslie Howard e Ludovico Troncanetti juntam-se a dois pianos, uma rubrica desenhada pelo CCB, interpretando um programa raro inteiramente baseado na arte da variação.
O concerto que terá lugar no próximo dia 31 de Outubro, pelas 19h00, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, inclui no programa a desconhecida Fantaisie, op. 73, de Anton Rubinstein, figura central da cultura russa que fundou o Conservatório de São Petersburgo; Variations on a Theme of Beethoven, obra do visionário e ecléctico Camille Saint-Saëns; e um conjunto de variações acrobáticas e incansáveis, preparadas a partir de um manuscrito inédito de Franz Liszt, descobertas recentemente: Grandes Variations de concert sur un thème des Puritains S654i.
Leslie Howard, que terá a companhia do jovem Ludovico Troncanetti, entrou para o Guinness por ter gravado a integral da obra para piano solo de Liszt. O jornal The Guardian descreve-o como «um mestre de uma tradição de pianismo em sério risco de morrer». Fica a apresentação do programa com textos de Ludovico Troncanetti (numa tradução de Ana Sampaio).
Anton Rubinstein: Fantasia op. 73
Esta obra monumental em três andamentos foi composta em 1864, tendo sido dedicada ao irmão do compositor, Nicolai Rubinstein, com quem Anton a estreou. O primeiro andamento Lento – Allegro con fuoco começa inesperadamente com uma primeira secção em pianissimo, com um acorde em Ré bemol maior, mediante em relação à tonalidade principal da peça, que se repete desde a oitava mais alta à mais baixa até chegar ao Dó maior dominante que, através de trilos ascendentes nos dois pianos e uma escala posterior em oitavas no segundo piano, finalmente atinge a clave principal e o tema em Fá menor Allegro con fuoco em acordes sincopados, seguido de uma secção em que os dois pianos tocam à vez arpejos e escalas, com um segundo tema pelo meio. Uma segunda secção, novamente em Ré bemol maior, começa de repente com uma melodia que recorda algo nostálgico, como se dois irmãos se juntassem de novo depois de muitos anos. O resto do andamento continua a alternar e a desenvolver os materiais das duas secções anteriores de diferentes maneiras, tanto ritmicamente como harmonicamente, para terminar numa escala ascendente que leva a um acorde em Fá menor. O segundo andamento Moderato – Allegro vivace quebra o silêncio com uma introdução, em 2/4, inteiramente constituída por semitons e arpejos, numa introdução coloquial simples, intensificada por pausas de surpresa e tensão, à segunda e principal secção, que é realmente um scherzo em 6/8. Aqui, o compositor, para criar uma impressão de brincadeira, mas também uma espécie de desorientação, diverte-se misturando métricas ternárias e binárias, com pausas ocasionais e flutuações de tempo. O último andamento Andante con moto é um conjunto de doze variações numeradas de diversa natureza, baseadas num tema de que não se afastam muito, e que encontram finalmente a calma num coro de andamento suave em Fá maior.
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Franz Liszt: Grandes variações de concerto sobre um tema dos Puritanos de Bellini, S654i (extraídas do Hexaméron)
Este conjunto de variações sobre o tema da Marcha dos Puritanos da ópera I puritani de Vincenzo Bellini nasceu sob a forma de uma composição colaborativa. A princesa Cristina Trivulzio Belgiojoso concebeu a peça em 1837 e convenceu Franz Liszt a reunir um conjunto de variações da marcha, em conjunto com cinco dos seus amigos pianistas. Liszt compôs a introdução e a segunda variação, ligando as secções e o final, e deu à peça uma unidade artística. Cada um de cinco bem conhecidos compositores-intérpretes contribuiu com uma variação: Frédéric Chopin, Carl Czerny, Henri Herz, Johann Peter Pixis e Sigismond Thalberg.
O Hexaméron S392 para piano solo está dividido em nove partes: 1. Introdução: Extremement lent (Liszt) 2. Tema: Allegro marziale (Bellini, transcrito por Liszt) 3. Variação I: Ben marcato (Thalberg) 4. Variação II: Moderato (Liszt) 5. Variação III: di bravura (Pixis) – Ritornello (Liszt) 6. Variação IV: Legato e grazioso (Herz) 7. Variação V: Vivo e brillante (Czerny) – Fuocoso molto energico; Lento quasi recitativo (Liszt) 8. Variação VI: Largo (Chopin) – (coda) (Liszt) 9. Final: Molto vivace quasi prestissimo (Liszt)
Esta primeira versão para dois pianos de 1840 inclui apenas as partes 1, 2, 3, 4, 6 e 9. Entre a 6 e a 9, Liszt acrescenta o tema Credeasi, misera!, do final do 3.º Ato, cantada por Arturo. Após a primeira exposição deste tema e durante a segunda, o compositor introduz um acompanhamento arrojado e virtuoso, cheio de trilos, escalas e arpejos que levam ao Finale Marziale, o qual incorpora a parte 5, antes de avançar para uma brilhante conclusão.
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Camille Saint-Saëns: Variações sobre um tema de Beethoven, op. 35
Este conjunto de variações, composto em 1874, baseia-se no trio do terceiro andamento da Sonata para piano de Beethoven em Mi bemol, op. 31, n.º 3. A peça abre com uma introdução de oitavas em staccato, seguidas de arpejos no segundo piano. O tema é então apresentado com exactidão com o trio da sonata de Beethoven. Cada variação explora um exercício técnico: 1. A primeira variação usa o dispositivo técnico das escalas: o primeiro piano toca uma série de passagens em escalas, enquanto o segundo piano acompanha com acordes, e depois as partes de cada piano são invertidas. 2. A segunda variação é um andamento lírico lento, que exige ao intérprete que toque oitavas o tempo todo. 3. A terceira variação é uma repetição do tema, mas em ordem inversa: o tema original tinha dois acordes ascendentes seguidos por uma passagem lírica que descia; aqui, os dois acordes iniciais descem e a passagem lírica sobe. 4. O quarto andamento é uma interacção esfuziante entre os dois pianos, com acordes de repetição rápida, durante os quais cada piano toca um compasso e faz uma pausa de um compasso. 5. A quinta variação, harmonicamente florida, é num tempo lento e contém muita ornamentação, principalmente trilos. 6. A sexta variação é inteiramente composta de escalas: um piano toca uma escala ascendente e depois o segundo piano responde, tocando uma escala descendente. 7. A sétima variação tem muitos acordes em staccato, seguidos por terças prolongadas. 8. A oitava variação é uma repetição da introdução inicial. 9. Segue-se uma fuga deliciosa e animada para a nona variação. 10. A décima e última variação distribui a melodia entre os dois pianos, tudo em acordes e oitavas, terminando a peça num presto fortissimo.
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