A voz pardacenta de Matt Berninger sempre foi o traço distintivo dos americanos The National. Não obstante o talento dos outros músicos – percussão precisa e inventiva, elegantes melodias de piano, linhas de guitarra aguerridas, arranjos meticulosos -, a voz de gravilha de Berninger é o motor da marca The National.
Chegados ao mais recente longa-duração, “I Am Easy To Find” (2019, 4AD), entramos pela porta aberta através de You Had Your Soul With You, o primeiro tema, e lá está a voz familiar… check; percussão… check; guitarras… check; arranjos de cordas… check – mas pouco depois dos 2 minutos surge a surpresa: quando entra a voz feminina (Gail Ann Dorsey, a antiga baixista de Bowie), o tema ganha asas e transforma-se, o monólogo converte-se num diálogo, e parece que estamos perante uma banda diferente.
O álbum está povoado com vozes femininas fortes: para além de Dorsey, a banda convidou também Sharon Van Etten, Kate Stables, Lisa Hannigan e outras – não são apenas figuras decorativas: a voz feminina faz parte da identidade do disco, ofuscando até a presença de Berninger.
O filme com o mesmo nome que acompanha I Am Easy To Find, do realizador Mike Mills, ajuda a moldar uma experiência conceptual. Mills criou uma curta-metragem protagonizada por Alicia Vikander, usando músicas do álbum, remisturadas e desmembradas até ganharem novos significados. Por seu lado, os The National foram também influenciados pela história e pela estética minimalista do filme, criando um objecto híbrido singular.
A colaboração com Mills alterou o processo de escrita das canções, e deixou para segundo plano as habituais guitarras vigorosas, em favor de uma estrutura mais solta, com arranjos mais clássicos e orquestrais. Graças a isso, os The National soam frescos e revigorados com esta nova direcção – temas como The Pull Of You ou Where Is Her Head mantêm a energia da banda, mas acrescentam a força dos duetos e dos arranjos minimais de Aaron Dessner, criando animais diferentes da fauna habitual encontrada num disco de The National.
“I Am Easy To Find” conta ainda com mais convidados: os membros do Brooklyn Youth Choir fazem múltiplas aparições ao longo do disco, e as suas vozes etéreas fornecem uma atmosfera e um timbre incrível – mais um aspecto que torna este disco um objecto estranho e fascinante.
O álbum é extenso e pede repetidas audições. Ainda que por vezes apele a alguma paciência por parte do ouvinte, flutua com elegância em canções como So Far So Fast, Light Years, ou a extraordinária I Am Easy To Find, onde a banda se mostra mais vulnerável de forma cativante. Os The National conseguem assim uma bem-sucedida mudança de perspectiva, fugindo do panteão da banda com um golpe de asa inesperado – a apurar a receita com uma boa dose de experimentação.
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