Vigor e pujança rock n’ roll no disco de estreia, “Pesar o Sol”; psicadelismo tremeluzente arraçado de Tame Impala no segundo álbum, “Gazela”. Eram assim os Capitão Fausto, antes de afinarem a fórmula com o aplaudido terceiro longa-duração, de 2016, “Capitão Fausto Têm os Dias Contados”. Foi com este trabalho que se tornaram numa banda de primeira linha, e com todo o mérito – o disco apresentava uma sucessão de canções bem esgalhadas, orelhudas, oito rebuçados pop até à medula.
No final de 2017, o destino da banda deu uma guinada para o Atlântico e depositou-os no Brasil, para gravar num estúdio da Red Bull, em São Paulo. Essas gravações, feitas em conjunto com músicos brasileiros, serviram de matéria-prima para o mais recente álbum, “A Invenção do Dia Claro” (2019, SME Portugal).
E que disco é este, então? Antes de mais, não é um disco de música brasileira – a contaminação tropical surge pontualmente nos coros, nas percussões, ritmos e cavaquinhos, mas o som continua fiel à matriz dos Capitão Fausto. Trata-se de um conjunto breve de canções (não chega a meia hora), descaradamente pop, com arranjos tão cristalinos como uma moeda novinha em folha.
“Sempre Bem”, single de avanço, mostra desde logo as cores do álbum: uma emissão luminosa, em que a voltinha do refrão nos agarra de imediato com o jogo de resposta dos coros. Não é preciso muito para ficarmos a cantarolá-la.
Sob as letras enganadoramente simples de Tomás Wallenstein correm as rodas dentadas da melancolia – canta-se sobre fraquezas, desencontros e dores de amor. Veja-se a balada “Amor, a Nossa Vida”, meticuloso prodígio em que todas as peças encaixam no sítio certo: o início de piano, a entrada da percussão, o sintetizador traquina, as cordas clássicas, é tudo bem feito, dando origem a uma canção marcante.
O mesmo acontece com “Outro Lado”, tema sobre o proverbial “dar um tempo à relação”, que nunca augura nada de bom – mas a tonalidade não é depressiva. Há um certo fatalismo de índole positiva que corre nas veias deste disco – um “que se lixe, não há-de ser nada” desarmante.
As melodias são contagiantes – “Certeza”, “Boa Memória”, “Faço As Vontades”, “Lentamente”, são todos temas bem delineados, recheados de pormenores e ideias musicais, sem medo de arriscar (o sambinha dos coros de “Lentamente”, por exemplo, encaixa como uma luva, sem soar forçado).
“Final” é a balada que encerra o álbum – canção arrancada aos anos 80 onde paira uma doçura à Lionel Ritchie, e até um solo de guitarra açucarado. Desagua na frase final do álbum, ela própria uma declaração de romantismo: “Se eu não ficar contigo é tudo em vão”.
O veredicto não pode ser outro: “A Invenção do Dia Claro” é um álbum arejado e muito bem produzido, mais um passo sólido na carreira dos Capitão Fausto.
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