Na capa vemo-lo com uma cabeleira bravia, de tons azuis e verdes, traços simples e óculos facetados de amarelo, como se tomado por uma estranha intensidade. A ilustração de Manuela Cardoso remete para o som caleidoscópico de “Cidade Fantástica” (Azáfama Produções Artísticas, 2018), terceiro disco em nome próprio de Flak.
O músico dispensa apresentações: em mais de 30 anos de carreira, foi um dos membros fundadores dos históricos Rádio Macau; fez parte dos Micro Audio Waves e dos Palma’s Gang; e, como, produtor trabalhou com um enorme rol de nomes da música moderna portuguesa.
Do alto dos seus 57 anos, Flak não se deixou cristalizar no passado, e soube manter-se relevante e em contacto com as correntes de vanguarda. Juntou-se então em 2018 ao produtor Luís Nunes – Benjamim -, com quem idealizou esta “Cidade Fantástica”.
A influência do produtor é bem visível, desde logo em temas como o primeiro avanço “Ao Sol da Manhã”, que corre sobre um ritmo sincopado e elegante – o beat e os sintetizadores do início lembram a paleta de ritmos dos Tame Impala. Já a letra leva-nos para um “Sittin’ on the Dock of the Bay”, transportado para a beira Tejo.
Neste disco as letras foram escritas de forma automática, sem racionalizar: “Tentei fazer as letras da forma mais intuitiva possível”, afirmou Flak em entrevista, “não descobrir um significado para elas imediatamente”.
Musicalmente, “Cidade Fantástica” é um álbum com muita inspiração melódica, mas tem algumas bolsas de experimentalismo – veja-se “Sobre o Mar”, deriva sonora com camadas sobrepostas e texturas dissonantes: o resultado parece uma jam session um pouco alucinada, uma máquina de jogos a fritar os fusíveis.
Noutros pontos, Flak alinha-se com o eixo mais orelhudo do espectro sonoro – “Planeta Azul” é pop leve e solar, ligeiramente fraturada, como uma caixa de música em que as peças não encaixam totalmente, o que origina alguns zumbidos e assobios. “Os tempos estão a mudar”, um dos melhores temas do disco, quase soa a Beatles – a guitarra luminosa joga com um baixo gingante e uma melodia pueril que nos faz bater o pé.
Um olhar mais atento revela mais algumas referências: uns riffs de Radiohead circa “Ok Computer” em “Imaculada Concepção”; o devaneio de guitarra de “Morcego” à la Jimmy Hendrix; A boa-onda cintilante de “Manto Branco” a fazer lembrar os Kinks; o arranque a toda a velocidade de “Cego pela Luz”, um flash da New Wave de bandas como os Depeche Mode.
Enquanto “Nada Escrito”, o álbum de 2015, remetia mais para a sonoridade dos Pink Floyd com um pouco de Zeca Afonso, este novo disco é uma colecção de músicas solares, ancoradas num certo psicadelismo retro dos anos 60. A única brecha é alguma fragilidade da voz do cantor, suplantada com o recurso a overdubs. Dito isto, vale a pena conhecer o universo paralelo de Flak e os súbitos e frequentes momentos de claridade que habitam esta cidade fantástica.
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