O primeiro dia do NOS Alive 2018 arrancou com casa cheia e o habitual cenário: néones por todo o lado, marcas a entrar-nos olhos adentro, acessos entre palcos com o espírito de uma Segunda Circular em hora (in)feliz. A música, essa, fez-se com o espírito Bond de Bryan Ferry, a classe do croupier Alex Turner e a aura metaleira de Trent Reznor, que acabou por entregar de mão beijada a taça do melhor concerto aos Nine Inch Nails.
Juana Molina trouxe da Argentina todo o imaginário dos contos de Jorge Luis Borges, lugar onde a realidade se mascara com as roupas da ilusão, a ordem corre lado a lado com o caos e o mundo, atravessado pelas ideias de violência, coragem e vingança, mais parece ser um sonho alheio que tem lugar num labirinto.
Uma folk electrónica que tanto evoca uma trip de mescalina a la Doors como o fundo cinéfilo de Tarantino, sempre com Devendra Banhart à espreita. Se Fever Ray fosse argentina, teria certamente vindo ao mundo como Juana Molina.
Bryan Ferry já passou a barreira dos setenta, mas continua a espalhar charme como um James Bond que, apesar de estar já afastado de missões complicadas, não diz que não a uma animada partida de golfe, a um passeio num barco à vela em estilo sunset ou a um dirty martini preparado com vodka, vermute seco, salmoura e uma azeitona verde.
Foi um daqueles concertos clássicos de estádio, onde a banda numerosa ia sendo apresentada à medida que se atrevia em solos mais ou menos prolongados – aquele saxofone em jeito de “Careless Whisper” foi brutal. Uma revisita sobretudo do universo dos Roxy Music, banda que trouxe à música pop uma grande sofisticação, numa actuação onde o alheamento do público deu lugar ao reconhecimento em temas como “Slave to Love”, “Avalon”, “Love is the Drug” ou na derradeira “Let`s Stick Together”, com fibra suficiente para ombrear com o brinquedo israelita pela taça da Eurovisão.
Coube aos Nine Inch Nails o grande concerto do dia, atravessado pelo seu muito característico groove metaleiro, que tanto evoca as tardes de gazeta passadas a escutar vinis – com capas que mostravam bonecos animados ou penteados duvidosos – como aquela vertigem industrial em hora de ponta, onde não há espaço nem para mais uma chaminé.
Trent Reznor esteve em alta, qual Modric a gerir uma orquestra de 11 mercenários, sendo bastante curiosa a forma como, logo no arranque, apela às palmas ao estilo de um baile popular, para logo de seguida adoptar uma pose ameaçadora de quem se prepara para cravar as unhas em quem se portar mal. Um concerto rock entre a comoção e uma fonte de adrenalina, onde houve espaço para uma cover de David Bowie – “I`m Afraid of Americans” – a bestialidade de “Closer” – qualquer coisa como uma versão maquiavélica e degenerada do “Kiss” de Prince -, e empolgante “Copy of a” ou a tocante “Hurt”, capaz de arrancar uma lagrimita mesmo ao tipo mais empedrado.
Fomos ainda a tempo de espreitar o final da actuação dos Friendly Fires, para ver Ed Macfarlane a dançar que nem um xamã num momento visionário, fazendo despertar em nós o primordial instinto de Nero e o desejo de atear um fogo amigo. Deve ter sido bem bom este.
O teen Khalid contou com uma considerável fanzone, que gritava bem alto os coros R&Bianos perfumados com umas gotas de soul. Sorte a nossa que não é a FIFA a gerir o mundo da coreografia, ou as quatro dançarinas, vestidas como arlequins sensuais, teriam sido convidadas a recolher aos bastidores.
Já os Arctic Monkeys espalharam classe e refinamento à boleia do mais recente “Tranquility Base Hotel & Casino”, qualquer coisa como um álbum bege onde a melodia é suspeita, o rock está fechado a sete chaves mas as fichas de jogo, essas, podem ser trocadas a qualquer hora, num casino aberto 24 horas por dia onde só entra gente com bom ar.
Alex Turner é, como se diz no norte, um Senhor, numa pose entre a atitude rockabilly – perdemos a conta às vezes em que sacou do pente para dar uns retoques ao penteado –, a casualidade fashion de um Jarvis Cocker e o espírito de conversão de um Robert Duvall em “The Apostle”.
A banda ofereceu-nos o melhor de dois mundos, onde aquele rock nervoso de malhas como “I bet you look good on the dancefloor” ou “Cornerstone” se senta agora à mesma mesa de temas com a delicadeza e os floreados de uma renda de bilros. Alex Turner é sem dúvida a grande figura, roubando para si todos os holofotes enquanto a banda, pela calada, se dedica a construir um cenário musical com um lado muito cénico. Turner que tem um vozeirão de assinatura, e que bonito foi vê-lo ao piano a cantar temas como “She Looks Like Fun” ou “Star Treatment”. O espírito incendiário pode ter acalmado, mas entrar na idade adulta com este estilo e letras habitadas pela grande literatura só pode representar um motivo de orgulho. Como estão crescidos estes macacos.
Fotos: Arlindo Camacho e Hugo Macedo | NOS Alive
Sem Comentários