Em 2017, com o apoio do programa 365 Algarve, a coisa foi feita meio a brincar, mas sempre com o intuito de criar, segundo o músico e sonoplasta Carlos Norton, “um festival para perdurar no tempo”. Fala-se aqui do Fusos – Festival de Fusões Artísticas que, entre os dias 1 e 3 de Junho deste ano, trouxe o teatro, a música, a arte, a ciência, o circo e as histórias a Alte, uma aldeia plantada na beira-serra do concelho de Loulé.
Organizado pela Fungo Azul e tendo a direcção artística de Carlos Norton, o festival conta com o apoio da Junta de Freguesia de Alte e a Câmara Municipal de Loulé, que querem fazer de Alte mais do que um ponto de passagem, sobretudo dos muitos estrangeiros que aí chegam à boleia de safaris e, provavelmente, seguindo os panfletos turísticos que vendem Alte como “a aldeia mais típica do Algarve”.
Alte que, na sua reduzida mas muito rabina dimensão, tem matéria-prima suficiente para a transformar numa rota obrigatória para quem queira do Algarve mais do que praia: a Queda do Vigário, uma cascata natural onde vale a pena dar um mergulho – haja água para a fazer correr; as fontes da aldeia, cercadas por uma zona arborizada, cujas águas alimentaram, durante séculos, a aldeia e os campos em redor – e que, no Verão, formam uma piscina que muitos dizem ser convidativa; ou o ar típico da aldeia, que proporciona um olhar sobre um Algarve de certa forma desconhecido – ou, pelo menos, ignorado.
O espírito que atravessa cada um dos espectáculos é o de proporcionar uma experiência de verdadeira fusão, o que tanto pode resultar num fascinante momento, onde à narração oral – que inclui histórias a adivinhas – se junta a música e o humor num stand up em formato bem sentado, como num outro mais estranho, onde um artista pinta um quadro envolto numa onda sonora, que poderíamos encontrar na música mais experimental ou anti-melódica.
Mas é precisamente esse risco, esse aglutinar de dissonâncias, que poderá fazer do Fusos algo a ter em conta num futuro próximo, desde que o investimento acompanhe esse desejo e que o cartaz possa juntar, aos cabeças de cartaz, outros momentos de qualidade superior. Cabeças de cartaz que, nesta edição, foram a vertigem dançante dos Kumpania Algazarra, o virtuosismo de Luís Peixoto e, sobretudo, a voz e guitarra de António Zambujo, a que se iria juntar a voz do escritor Jacinto Lucas Pires que, completamente afónico, acabou por proporcionar a alguns jovens espectadores a subida ao palco para lerem excertos de “A Gargalhada de Augusto Reis” – o mais recente romance de Lucas Pires.
Para além das fontes e da Queda do Vigário, que receberam espectáculos em cenários naturais belíssimos, outros locais mais ou menos inesperados juntaram-se ao Fusos, como o Lagar do Madeira, que parece ainda guardar a envolvência do azeite, e que recebeu a música – voz e harpa – de Helena Madeira, ou o filme “Amanhã Será Ontem”, com testemunhos de crianças dos 3º e 4º anos da EB Alte, mostrando as suas diferentes visões pessoais e ideias de progresso para Alte – uma aldeia mais limpa e um parque aquático foram duas ideias partilhadas por quase toda a pequenada.
Durante os dois dias em que o Deus Me Livro esteve no Fusos, alternando as belas vistas e os passeios com a programação, espreitámos com deleite: “Com Ciência Brincamos”, onde o Centro Ciência Viva do Algarve mostrou aos mais pequenos, no seu dia, o lado fascinante da ciência, fosse a construir aparelhos eléctricos ou a brincar com as cores; o casamento entre a narração oral e a música de “Contatininhas, onde Luís Correia Carmelo, acompanhado da sua concertina, encantou miúdos e graúdos com a sua concertina, humor e sobretudo conversa; a voz e a harpa de Helena Madeira, no bonito cenário do Lagar, onde só o barulho constante da porta a ser aberta e fechada conseguiu retirar alguma da magia; “The Gentlemad”, onde o auto-proclamado rei do mau-feitio, Mika Paprika, juntou malabarismo, novo circo e teatro, num momento divertido entre a magia e a comédia; “O Lobo Vermelho”, uma recriação da História da Capuchinho Vermelho, que tocou nas questões de género e no livre-arbítrio que cada um tem de contar a sua própria história; “Fado Líquido”, onde num pequeno palco, montado dentro de água, José Alegre tocou guitarra portuguesa com um certo espírito oriental; e, claro, António Zambujo, que conseguiu encantar até mesmo os peixes e patos.
Para além dos espectáculos, ou das frases espalhadas pela aldeia que brincavam com as palavras “Fusos” e “Alte”, os visitantes puderam também ver esculturas sonoras, situadas nos caminhos entre os palcos, ou a Exposição “Perspectivas de Alte”, patente no Pólo Museológico – que casa muito bem o ADN da aldeia com um espírito mais modernista -, onde artistas de vários cantos do mundo retrataram Alte sem nunca a ter visitado, recorrendo apenas ao digital para uma arte à distância. Que 2019 nos possa deixar ainda mais conFUSOS.
Fotografias: Luísa Velez
Ver Galerias Fotográficas: Aldeia e Espectáculos
Sem Comentários