Bem-Vindo aos Caminhos do Ferro, espaço de vivências colectivas e de partilha de histórias e artes que se abre a todos, residentes e transeuntes mais ou menos desprotegidos.
O registo não é festivaleiro, pelo contrário, ainda que, festejando a cultura, as tradições e as novas formas de arte, nacionais e internacionais, o mote pareça ser conter a ânsia de instalar megafones e holofotes e ofuscar a beleza e a serenidade de quem ali vive.
Sente-se uma procura de origem e uma preocupação pela preservação de identidade, de respeito colectivo, ou não fossem estes “Caminhos” um compromisso de humildade e coesão, inédito entre seis concelhos – Abrantes, Constância, Entroncamento, Mação, Tomar e Vila Nova da Barquinha – que, entre os dias 13 a 15 de abril, abriu portas à imaginação e à integração de novas formas de arte e à participação popular.
O programa é global, embora em cada concelho se encontre especificamente o que ali acontece. A ideia parece ser tirar partido do que de melhor existe em cada um deles: espaços, alojamento, gastronomia, sensibilidades e artes populares. Nem tudo será espetáculo, mas tudo contribuirá para o mesmo.
Ao viajante basta sentir o calor da iniciativa, numa equipa jovem que transpira confiança e moderação, dois quesitos essenciais mas que raramente andam juntos. Basta ainda perceber que é fácil ser acolhido e acarinhado em olhares e sorrisos cúmplices de quem recebe: a população.
“Dragonologia”, o espectáculo de teatro de rua, percorreu Vila Nova da Barquinha e animou uma escola, surpreendendo depois transeuntes, crescidos e pequenos, nas ruas da zona comercial do Entroncamento e de Abrantes. Tratou-se de soltar o imaginário dos mais jovens e de questionar se os dragões não estavam extintos, como faziam eles para dormir e comer, como viveram neste planeta todos aqueles anos. Com “Tiro”, o dragão de 3 metros de comprimento, e “Liro” o seu dono, os afectos e a magia estiveram presentes, numa criação da Companhia Projeto EZ que funde a cenografia e o teatro.
Acrobacias e contorcionismo dominaram os espectáculos de novo circo. A basca Shakti Olaizola imerge-nos no peculiar mundo feminino através do seu “Irakurriz”. Trouxe-nos os seus livros, como diferentes capítulos de uma história cheia de memórias, descobertas, reacções, sonhos, como se se tratasse de uma viagem. O trajecto envolve movimento, dança e contorção.
A acção, acrobacia e manipulação de objcetos continuou com o espectáculo de circo da Cia Maintomano – Melhor espectáculo do TAC, Festival Internacional de Teatro de Rua de Valladolid, em 2016, e da Feria de Teatro de Castilla y Leon, Ciudad Rodrigo, em 2014 –, um jogo entre dois corpos que, cúmplices, criam poesia física, conseguindo, como se deseja, tréguas da chuva.
Noite dentro houve lugar para espectáculos de fado com Hélder Moutinho, no Centro Cultural do Entroncamento, antigo mercado municipal, de guitarra com Pedro Joia, na Igreja de Vila Nova da Barquinha, e de Teresa Salgueiro, em Abrantes.
Durante semanas artistas foram convidados a fixar-se na região, percorrendo-a em busca de inspiração, pesquisando, conversando e trabalhando com a comunidade. Fizeram-no a actriz e música Ana Bento, em Mação.
E também a artística plástica Lara Soares, em Vila Nova da Barquinha.
O resultado foi extraordinário. Uma população que ultrapassa o pudor de se expor e que acompanha trajectos de reconhecimento e apresentação da sua história e tradições, sítios onde se fez ou se sente o sentido do presente.
No final persiste a convicção de ser esta uma iniciativa madura, que conteve os impulsos da juventude – esta é apenas a 2ª edição – em nome de um conjunto de princípios éticos e de respeito pelas populações e pelas gerações. Há novidade, há surpresa, mas há acima de tudo muito respeito e atenção ao outro, que se deseja protegido de eventuais ânsias festivaleiras, pouco amigáveis do residente e do nativo.
Quem chega pode desfrutar do descanso e da tranquilidade da região e usufruir de uma programação cultural equilibrada e bem organizada. Entre os dias 20 e 22 de Abril, haverão mais Caminhos do Ferro para percorrer entre Constância e Abrantes.
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