Ganhemos fôlego porque o nome é extenso: o quarto álbum de estúdio dos norte-americanos Tune-Yards chama-se “I Can Feel You Creeping Into My Private Life”. Vem no seguimento do bem recebido disco de 2014, “Nikky Nack”, e continua saturado com a exuberância colorida da cantora, percussionista e cabeça-de-casal da banda, Merrill Garbus.
Os Tune-Yards são agora oficialmente um duo, sendo Nate Brenner – colaborador de longa data e agora marido de Merrill – creditado como co-produtor do disco. O baixista toca com a banda quase desde o início, mas o seu papel tem vindo a crescer ao longo dos anos. Em “I Can Feel You…”, Garbus continua ao comando de todas as letras, mas a sonoridade tornou-se um projecto de colaboração entre os dois.
Neste novo tomo a banda continua viciada em ritmos experimentais e exuberantes, embrenhando-se no território da electrónica – o característico chinfrim de balanços africanos, laivos de funk, jazz, rock e pop ganhou, a espaços, um aditivo de batidas bojudas de house music. Nate Brenner tem de facto um papel essencial ao longo de todo o disco: são as suas linhas de baixo que amparam as loucuras e extrapolações rítmicas que povoam o álbum.
Experimentalismos e overdubs à parte, há neste disco algumas das músicas mais acessíveis da banda: veja-se a orelhuda e viciante “Coast to Coast”; ou o primeiro single, “Look at Your Hands”, com influências dos anos 80 nos beats de caixinha de ritmos marada e na prestação vocal, quase Eurodance. No verso da moeda, Merrill estica por vezes a corda do experimental, como em “Free”, onde a sua voz potente oscila perigosamente entre o intenso e o insuportável.
A temática do disco não podia ser mais actual nos Estados Unidos do “Black Lives Matter”. Merrill Garbus questiona o papel da raça na sua música: como se explica a apropriação cultural de sons e ritmos tradicionalmente negros por parte de uma mulher branca? Quanto de “white guilt” há na música dos Tune-Yards? Garbus enfrenta frontalmente estas questões, como por exemplo em “Colonizer”, recorrendo a coros tribais e a ritmos de dança em roda livre.
Os Tune Yards sempre estiveram longe de serem convencionais. Desde o primeiro álbum, “Bird Brains” (2009), que a sua música feita de cortes, desvios e bifurcações sonoras percorre caminhos insólitos. “I Can Feel You Creep Into My Private Life” mostra uma banda muito confortável na sua pele, com um som tão exuberante como particular e reconhecível.
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