Alex Cameron é um impostor. O músico australiano lançou a sua carreira a solo em 2013, encarnando a personagem de um sórdido cantor em declínio, moralmente corrupto e votado ao esquecimento. A princípio, a máscara era fisicamente real. Nas primeiras aparições em palco, Cameron usava cicatrizes e sinais em latex, bem visíveis na capa do álbum de estreia, “Jumping the Shark” (2014).
No novo “Forced Witness” (Secretly Canadian, 2017), Cameron deixa cair a caracterização, mas o enigmático alter-ego torna-se ainda mais exagerado e demente. “Eu interpreto personagens que normalmente não têm voz na música popular, e humanizo-as”, declarou numa entrevista em 2016. “Falo de falhanço e humilhação porque a música é sobre ultrapassar estas coisas, e não negá-las”. Neste disco, cada tema é uma pequena história. Os seus protagonistas são homens corrompidos, solitários, brutos e estúpidos, que preferem afogar-se nas suas próprias falhas a procurar a redenção.
Este universo deprimente contrasta com a abordagem musical kitsch, que não destoa em playlist de casa-de-banho-de-centro-comercial. O que não é necessariamente mau: Cameron revela-se neste disco um óptimo escritor de canções pop inspiradas no rock FM dos anos 80, algures entre Bruce Springsteen e Phil Collins. O charme azeiteiro de Meatloaf também por aqui paira, encharcado em ironia e deboche.
Para trás ficam os delírios synthpop de orgão Casio marado que dominavam o primeiro álbum. Neste disco, Cameron contou com a produção de Jonathan Rado (dos Foxygen) para criar uma sonoridade luxuosa, cheia de brilhantes e purpurinas reluzentes.
O primeiro single, “Candy May”, vive dessa produção cristalina, onde o solo de saxofone do colaborador de longa data Roy Malloy assenta como uma luva. O single seguinte, “Stranger’s Kiss”, dueto com Angel Olsen, é um dos pontos altos do disco: as letras ácidas de Cameron encaixam perfeitamente na voz encorpada de Olsen, para criar uma das grandes canções Indie deste ano. Também “Runnin’ Out of Luck”, colaboração com Brandon Flowers dos Killers, tem uma cadência contagiante e um refrão infeccioso (há muitos neste disco), que fica a saltitar nos neurónios.
“Forced Witness” afirma-se rapidamente como uma colecção de sólidas canções pop. Cameron prova que tem potencial para outros voos – até a sua voz de barítono é aqui mais apaixonada e explícita. O estilo musical do australiano, subterrâneo e clandestino, ganha uma faceta mais ambiciosa, com temas de estrutura mais tradicional do que as do álbum de estreia.
Ainda assim, com algumas audições sente-se um certo cansaço na repetição da fórmula. Por vezes transforma-se numa caricatura demasiado “colada” aos “eighties”. Não nos parece que haja grande margem (ou interesse) em repetir esta abordagem num terceiro disco, por exemplo.
Enraizado nesta sonoridade vintage 80’s, “Forced Witness” será um disco menos focado e inovador do que o anterior “Jumping the Shark”, mas é, ainda assim, um corajoso passo em frente na carreira do misterioso Alex Cameron.
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