O escritor Nils Uddenberg diz-nos que “os gatos não podem contar a sua história”. Contudo, através de “O Velho e o Gato” (Bertrand, 2017), temos a prova de que, pelo menos, podem os humanos escrever sobre o que julgam ser a “vida interior dos animais”.
O nosso narrador, um antigo professor e psiquiatra sueco, observa clinicamente as rotinas e as possíveis intenções felinas de uma gata que escolhe a sua “pequena casa no centro de Lund” como abrigo de inverno. Aquilo que parecia ser algo passageiro, deu lugar a uma estadia permanente que passou a habitar um lar e uma família. No entanto, o livro não pretende ser apenas uma mera narrativa sobre a sedução que os gatos podem exercer naqueles que não os pensam acolher. Trata-se de um quase diário de pensamentos sobre a psicologia animal e humana.
Por um lado, a ideia de ser dono de um animal de estimação é algo que não se enquadra na suposta personalidade do escritor; mas, por outro, a presença felina e a tentativa de comunicação entre as duas partes traz algo de misterioso e empolgante para o autor. É esse mistério que tenta descodificar quando reflecte sobre as singularidades dos gatos, em específico da sua gata Bichana. Divaga, com várias referências pessoais, sobre o ronronar, a destreza física, a caça animal, a sua psique e até sobre a carga emocional e histórica que está associada a estas figuras. É, provavelmente, essa força emotiva que faz com que se depare, juntamente com a sua mulher, em novas realidades.
“O Velho e o Gato” é um livro para qualquer idade, mas talvez seja importante ser um leitor simpatizante dos pequenos felinos para compreender de forma mais íntima as sucessivas descrições de rotinas básicas que, inesperadamente, têm a capacidade de nos fazer interrogar mais sobre a vida dupla dos gatos de rua domésticos. As cerca de trinta ilustrações de Ana Gustavsson também ajudam a criar esta proximidade às vivências entre a Bichana e o seu dono. É, como o próprio autor intitula, uma história de amor que acontece, sobretudo, porque é a própria gata que escolhe, e continua a escolher, os seus donos. Apesar da sua independência e da possibilidade de partir sem regressar, ela volta para a mesma casa que visitou quando tinha apenas seis meses de existência.
O livro de Nils Uddenberg é quarto título da coleção Bichos, uma recente iniciativa da Bertrand Editora que conta já com “Um Homem e o Seu Cão”, de Thomas Mann, “Bestiário de Kafka”, de Franz Kafka e “Uma Velha e o Seu Gato e a história de dois cães”, de Dores Lessing.