Se quisermos fazer uma alegoria parva entre os The XX e o mundo do alcatrão e dos sinais de trânsito, diríamos que a banda, nos seus dois primeiros discos, habituou quem os ouvia ao sistema do pára-arranca em horas de ponta: quando a coisa parecia acelerar, fazendo com que fosse ainda possível sonhar com jantar a horas e ver uma série no sofá, lá se regressava ao modo fila lenta, tendo que se improvisar uma modesta refeição ao chegar a casa, para acabar a noite adormecidos em cima de um livro do qual apenas se tinham conseguido ler não mais que duas páginas.
Em “The XX”, o primeiro e homónimo longa-duração, o som do então quarteto era de um despojamento tremendo, que fez com que muitos pensassem como é que nunca se tinham lembrado de fazer música assim. Um disco incrível, feito de crescendos e de ainda mais silêncios, onde as vozes de Romy Madley Croft e Oliver Sim trocavam intimidades e lamentos. “Coexist”, lançado em 2012, foi um pouco mais atrevido que o seu antecessor, ainda que não tenha alterado grandemente a essência quase monástica do trio formado por Romy, Oliver e Jamie Smith – mais conhecido por Jamie XX.
Chegados ao primeiro mês de 2017, a banda lançou o muito esperado “I See You”, atirando às urtigas uma vida monástica alimentada até então a pão e água. Com Jamie XX a esticar-se nos arranjos, os The XX surgem agora mais virados para a electrónica, ficando a guitarra e o silêncio confinados a notas de rodapé.
“On Hold”, o primeiro single do novo disco, deixava já antever essa viragem musical, com um tema que parecia tirado de um lado B do disco a solo de Jamie XX, onde este revisitou o momento da história onde as raves eram lugares de festa, suor e substâncias de, que legais, só tinham mesmo o significado que lhe dão os nossos irmãos do outro lado do Atlântico.
Para além de “On Hold”, os destaques de “I See You” vão para os temas “Dangerous”, apontado às pistas de dança e com ar de remix, bem como para “Say Something Loving”, um belíssimo tema sobre o desamor e a preguiça dos sentimentos onde, a certa altura, se canta mais ou menos isto: “Say something loving / I just don`t remembre the thrill of affection”.
Ao resto do disco falta-lhe a identidade e a assinatura com que a banda gravou os seus discos anteriores, muito pelo facto de os temas estarem, agora, envoltos numa exagerada produção que mistura sopros, cordas e batidas como se quisesse criar uma poção mágica indicada para todos os males e remédios. O que, por vezes, resulta em temas como “A Violent Noise”, que se de início parece conduzir a um tema XX`iano dos sete costados, acaba como uma malha que poderia passar num sunset manhoso à volta de uma piscina qualquer para os lados de Ibiza. “Performance”, que tinha tudo para ser grande, acaba contaminado por um desejo orquestral piroso. “Replica”, canção onde guitarras e os sintetizadores pareciam ter encontrado a paz agora perdida – caminhando a passos largos para um clímax que ficava a escassos centímetros, como que num elogio ao lado tantra da vida -, é traído por teclados manhosos e de algum mau gosto. Ao terceiro disco, usando e abusando da mania da produção – e talvez de grandeza -, os The XX mostram que, também eles, podem soar como uma banda vulgar.
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